A violência em Salvador, sobretudo os assassinatos de jovens ocorridos entre os anos de 2010 e o primeiro semestre deste ano, se concentrou em 37 bairros que pertencem às Áreas Integradas de Segurança Pública de Periperi, no subúrbio ferroviário e Tancredo Neves, com mais de 30% dos cerca de 1,5 mil homicídios ocorridos por ano entre homens com idade de 15 a 29 anos. A informação foi divulgada pela pesquisadora e consultora da ONU Márcia de Calazans, durante a manhã desta segunda-feira (23), na audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, que investiga os assassinatos de jovens, realizada em Lauro de Freitas, sexta cidade brasileira a ser visitada pelos parlamentares.
Para Márcia de Calazans, as políticas de Educação, Saúde e Segurança não contribuem para a redução dos indicadores de violência. “Nós avançamos em alguns aspectos como a própria inserção dos jovens negros na sociedade, o aumento da presença deles na universidade, mas isso ainda não foi suficiente para mudar a cruel realidade das periferias”, disse.
Calazans afirmou ainda que a chamada “guerra às drogas” tem fomentado tanto a morte de policiais quanto de jovens negros, com maior volume para os indivíduos que moram na periferia. “Temos uma taxa de 33 mortos para cada grupo de 100 mil habitantes, quando o ‘aceitável’ seria 10 assassinatos para 100 mil pessoas. Em Buenos Aires, que tem mesma população que Salvador, essa taxa é de 6 para 100 mil”, explicou.
Presidente da CPI, a senadora Lídice da Mata (PSB) ressaltou a importância da audiência em Lauro de Freitas. “Foi muito produtivo. Tivemos mais de 300 pessoas e ouvimos 30 depoimentos, bem como os relatos de quatro mães que falaram reservadamente com o relator, senador Lindbergh Farias, que levará daqui uma importante referência para seu relatório final”, avaliou.
Lídice também destacou que a questão essencial que a CPI deve deixar para a sociedade brasileira é que há um racismo institucional no Brasil, que permite que se defina que há territórios suspeitos e não pessoas suspeitas. “Não há traficantes apenas nas comunidades pobres. Nos grandes edifícios em bairros nobres também há. É preciso investigar as operações financeiras cuja origem dos recursos é mal explicada”, concluiu.
Lindbergh Farias, por sua vez, comparou os homicídios registrados no Brasil e disse que o país vive uma guerra não declarada. Segundo ele, o objetivo da CPI é despertar o país para este tema, visto que a juventude está morrendo pela polícia e pela milícia.
Auto de resistência é alvo de críticas
Ainda de acordo com o senador, o procedimento adotado para justificar alguns assassinatos tem que ser fiscalizado com rigor. “O que estamos vendo é o encarceramento, segregação e extermínio da juventude negra hoje no Brasil. A polícia tem um preparo para o enfrentamento da guerra. A polícia hoje não é preparada para entrar em uma comunidade”.
Também presente no encontro, o senador Humberto Costa (PT-PE), que integra a CPI e é relator de um projeto que institucionaliza as audiências de custódia, disse que é importante essa aprovação porque desafogaria o sistema prisional brasileiro, que vive em colapso, uma vez que os presos em flagrante teriam um prazo para serem apresentados ao juiz de determinada jurisdição, que definiria se o acusado seria preso ou liberado diminuindo, por sua vez, as prisões desnecessárias.
Já o integrante do Ministério Público Estadual, promotor Fabrício Patury, disse que o órgão tem atuado para buscar fortalecer as investigações dos autos de resistência, que segundo ele não têm respaldo jurídico. Lembrou ainda que jovem negro tem sido recrutado para as funções mais rasas do narcotráfico, com isso mais vulneráveis.
Pais de jovens assassinados pedem justiça
Presentes na audiência realizada em Lauro de Freitas, alguns pais e mães de crianças e jovens assassinados denunciaram a falta de investigação e solução para os casos de seus filhos.
Joel Castro, pai do menino Joel, morto com um tiro dentro de casa no bairro do Nordeste de Amaralina, após uma operação mal sucedida da Polícia Militar, disse que apesar da repercussão do caso, inclusive pela imprensa internacional, passaram-se cinco anos e o crime caiu no esquecimento.
Moradora de Itapuã, em Salvador, Evani Brito denunciou que chegou a pagar R$ 3,8 mil para resgatar o filho, mas que embora tenha entregue o dinheiro aos sequestradores, que ela acredita serem policiais, encontrou apenas o corpo do filho em Camaçari vários dias depois.
Lídice da Mata chamou a atenção para o baixo índice de elucidação dos homicídios e defendeu uma reestruturação do sistema brasileiro de segurança pública, com reformulação das polícias civil e militar. Ela também criticou as mudanças realizadas pela Câmara Federal no Estatuto do Desarmamento.