Por Ana Krüger e Gabriel Palma, G1 e TV Globo — Brasília
O governo federal veiculou mais de 2 milhões de anúncios em canais com “conteúdos inadequados”, segundo levantamento de consultores legislativos da Câmara dos Deputados a pedido da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News.
Entre os meios estão sites, aplicativos de celular e canais no Youtube que veiculam, por exemplo, informações falsas, material pornográfico, e difundem jogos de azar e investimentos ilegais.
O relatório foi revelado por reportagem desta terça-feira (2) do jornal “O Globo” e está disponível no site do Congresso Nacional.
De acordo com o relatório, foi solicitado à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), dados dos canais que exibiram anúncios do governo federal no período de 1º de janeiro a 10 de novembro do ano passado.
Apesar do pedido, a Secom só apresentou parte dos dados. Os consultores só receberam informações referentes a 38 dias, de 6 de junho a 13 de julho de 2019. Os anúncios mapeados foram contratados pelo governo por meio do programa Google Adsense.
Mesmo assim, os consultores afirmam que, “ainda que abrangendo período relativamente curto, os dados fornecidos pela Secom permitem construir um rico panorama acerca das impressões de peças publicitárias do governo federal em canais de internet”.
De acordo com o documento encaminhado pela secretaria, no período, 65.533 canais de internet receberam mais de 47 milhões de anúncios do Governo Federal. Esses canais foram divididos em três tipo:
4.018 sites;
13.704 aplicativos para celular;
47.811 canais do YouTube.
Fake News
“Nesta análise, foi possível comprovar a existência de inserção de publicidade em sites de notícias falsas, incluindo diversos que já vêm sendo monitorados pela CPMI”, diz o relatório.
Entre os canais que recebeu anúncios da Secom está o canal no Youtube “Terça Livre”, do blogueiro Allan dos Santos, alvo da operação da Polícia Federal deflagrada na semana passada no âmbito do “inquérito das fake news”.
“Em oitiva realizada pela CPMI das Fake News em 05 de novembro de 2019, o Sr. Allan dos Santos afirmou que seus veículos de comunicação, incluindo o canal de YouTube Terça Livre TV, ‘não recebem dinheiro da Secom’. Contudo, os dados disponibilizados pela Secretaria demonstram que o canal Terça Livre TV recebeu verbas de publicidade do Governo Federal, por meio do programa Google Adsense”, diz o relatório.
Conteúdo inapropriado
Os consultores afirmam que, na amostra disponibilizada pela Secom, foi possível observar que “um grande número de canais que veicularam publicidade do Governo Federal é composto por meios de baixa qualidade, que se dedicam a difundir notícias sobre jogos de azar ilegais, a desrespeitar os direitos de autor ou de transmissão, a veicular notícias falsas, a anunciar investimentos ilegais ou a difundir conteúdo pornográfico, entre outros.”
O levantamento identificou que 4,37% dos anúncios (2.065.479) foram veiculados em canais com conteúdo classificado como inadequado.
Entre os sites de informações falsas nos quais o governo veiculou anúncios, por exemplo, está um com conteúdos sobre “múmias alienígenas escondidas em pirâmides do Egito, colisores de átomos que abrem portais para o inferno e baleias encontradas em fazendas a centenas de quilômetros do litoral”. Esse site recebeu mais de 66 mil anúncios.
Os consultores destacam haver também anúncios pagos do governo em “canais dedicados a promover a imagem do Presidente da República”.
“A veiculação de anúncios, pela Secom, em canais desse tipo pode gerar questionamento com base no § 1º do art. 37 da Constituição, pois abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna”, diz o relatório.
Segundo o levantamento, receberam anúncios canais com as seguintes categorias de conteúdo inadequado:
conteúdo sexual (27 anúncios);
ofertas de investimentos ilegais (4.092 anúncios);
promoção pessoal de autoridades (5.222 anúncios);
titular de cargo eletivo (26.953 anúncios);
canais removidos do YouTube por descumprimento de diretrizes (240.407 anúncios);
desrespeito a direitos de autor ou de transmissão (477.495 anúncios);
notícias falsas (653.378 anúncios);
jogos de azar ilegais (657.905 anúncios).
Falha no público-alvo
Segundo informou a Secom, do total de anúncios veiculados, mais de 41 mil foram de campanhas pela aprovação da reforma da previdência. No relatório encaminhado à CPI, os consultores afirmam que houve uma falha intensa quanto ao público-alvo atingido pelos anúncios sobre as mudanças nas aposentadorias.
“Essa falha fica mais evidente na divulgação por meio do YouTube, pois parte considerável das impressões terminou sendo veiculada em canais de conteúdo majoritariamente destinado ao público infanto-juvenil, redundando em desperdício de recursos públicos”, diz o relatório.
Dos 20 canais de YouTube que mais veicularam anúncios da campanha da “Nova Previdência”, 14 são primordialmente destinados ao público infanto-juvenil e concentraram quase um quinto dos anúncios sobre as aposentadorias.
Um dos canais, citam os consultores, “não apenas é destinado ao público infantil como também tem 100% do seu conteúdo em russo – mas, ainda assim, veiculou 101.532 impressões da campanha publicitária da Nova Previdência”.
Desperdício de dinheiro público
Na conclusão do relatório, os consultores afirmam que o uso do programa Google Adsense pela Secom gerou váriás “incorreções na condução da política de publicidade oficial da Presidência da República”. Entre elas:
descontrole do alvo das ações publicitárias levando ao desperdício de recursos públicos;
emprego do dinheiro da publicidade oficial em canais com conteúdo inadequado;
graves problemas de falta de transparência na condução da política de comunicação do Governo Federal.
Os consultores citam também que, ao contrário de outras formas de publicidade, no modelo utilizado pela Secom, “há pouco controle sobre os reais fornecedores do espaço publicitário”.
Segundo o relartório, no sistema usado pela secretaria, todos os anúncios são identificados apenas com a rubrica “Google Adsense’, sem identificação dos veículos anunciantes”.
“Além disso, é muito difícil ou mesmo impossível identificar os proprietários da maior parte dos canais que recebem anúncios do Governo Federal por meio do Google Adsense, algo que põe em risco a avaliação do cumprimento dos requisitos legais necessários para que uma entidade se habilite como fornecedor de um produto ou um serviço ao Poder Público”, destaca o relatório.
Questionamos o Google sobre nota da Secom que afirmou que “o processo de escolha de veículos conduzido pelas agências de publicidade prestadoras de serviço, contam diretamente com a assessoria técnica do Google para apoiar os critérios da ferramenta”.
“O Google tem ajudado parceiros do setor privado e do setor público a usar a publicidade digital para levar suas mensagens a milhões de brasileiros de modo eficiente, com escala e alcance.
Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas.
Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.
Cientes do dinamismo do ecossistema digital, também trabalhamos no aperfeiçoamento de nossas plataformas para oferecer os melhores resultados possíveis para nossos parceiros. Preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade.
Agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas.”
O que diz a Secom
Em nota, a Secom repudiou a reportagem do jornal “O Globo” e disse que não patrocina nenhum site ou blog. Segundo a secretaria, as verbas publicitárias são direcionadas pelo Google Adsense, que utiliza inteligência artificial e critérios próprios para distribuição de anúncios (leia mais abaixo o que diz o Google).
“Ou seja, cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom”, afirmou a secretaria.
Nota do governo
Leia a íntegra da nota enviada pela Secom:
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República repudia matéria tendenciosa de O Globo intitulada CPMI das Fake News identifica 2 milhões de anúncios da Secom em canais de ‘conteúdo inadequado’ em só 38 dias. O dever do bom jornalismo é levar esclarecimento às pessoas, mostrar e explicar fatos e dados, e não somente repetir narrativas que promovem a desinformação.
Na semana passada, a Secom já havia informado ao O Globo que não patrocina qualquer site ou blog. Foi explicado também que as verbas publicitárias são direcionadas pelo Google Adsense, que utiliza inteligência artificial e critérios próprios para distribuição de anúncios. Ou seja, cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom.
Cabe citar que o próprio jornal Folha de S. Paulo já teve seus anúncios veiculados em sites considerados impróprios porque a distribuição do investimento publicitário foi realizada pelo Adsense do Google de forma automática. Entretanto, sua ombudsman considerou que o jornal foi sabotado por algoritmos. Ou seja, dois pesos e duas medidas. A Secom pública anúncios em sites de fake news. A Folha é sabotada.
Mais uma vez, a Secom informa que o processo de escolha de veículos conduzido pelas agências de publicidade prestadoras de serviço, contam diretamente com a assessoria técnica do Google para apoiar os critérios da ferramenta.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República
O que diz o Google
Questionado sobre a nota enviada pela Secom, o Google afirmou ter políticas contra conteúdo enganoso em suas plataformas e trabalhar para destacar conteúdo de fontes confiáveis.
Além disso, afirmou que “preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade” da companhia.
“Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos”, disse o Google em nota.
Leia a íntegra da nota enviada pelo Google:
O Google tem ajudado parceiros do setor privado e do setor público a usar a publicidade digital para levar suas mensagens a milhões de brasileiros de modo eficiente, com escala e alcance.
Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas.
Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.
Cientes do dinamismo do ecossistema digital, também trabalhamos no aperfeiçoamento de nossas plataformas para oferecer os melhores resultados possíveis para nossos parceiros. Preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade.
Agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas.