Jonas Valente – Repórter da Agência Brasil
Um relatório da Autoridade de Competição e Mercados do Reino Unido (CMA, na sigla em inglês) apontou abusos de poder de mercado e práticas anticompetitivas do Google e do Facebook no país, o que traria obstáculos a concorrentes e prejuízos ao direito de escolha dos cidadãos, bem como à inovação.
A análise teve como foco a atuação das duas plataformas no país, mas levanta elementos para pensar os mercados digitais em outras nações, haja vista a força das duas companhias. É também o caso do Brasil, onde o Google domina mais de 90% do segmento de mecanismos de busca e conta com mais de 100 milhões de usuários em sua plataforma de vídeo, o YouTube.
Já o Facebook tem mais de 136 milhões de usuários aqui. O WhatsApp, mensageiro também de propriedade da empresa, é usado por mais de 130 milhões e, segundo pesquisa da Câmara e do Senado, é o principal meio de informação dos brasileiros. Além das duas aplicações, a firma também tem o Instagram, rede social em crescimento no país.
Segundo a análise da autoridade britânica, o Google domina 90% do mercado de publicidade em buscas, que totalizou 6,4 bilhões de libras em 2018. Já o Facebook controla 50% do segmento de anúncios em display (inserções em mensagens, como imagens e vídeos), que somou 5 bilhões de libras. A publicidade digital movimenta no total 13 bilhões de libras no país.
Na avaliação dos autores do relatório, esse poder de mercado e as práticas das duas companhias geram três tipos de problemas. O primeiro é dificultar o surgimento de novos concorrentes, o que pode retardar o movimento de inovação. Elas se beneficiam do que os autores e estudiosos do tema chamam de “efeito de rede”, dinâmica pela qual quanto mais pessoas fazem parte de um serviço mais atrativo ele se torna aos usuários.
Outro aspecto é a lógica de economias de escala, na qual os preços caem a medida que a base de usuários aumenta. Com a combinação dessas duas características, “pode ser extremamente difícil que novos concorrentes consigam desafiar as empresas de forma eficaz”, ressalta o estudo.
Controle de dados
O relatório também identificou um controle exacerbado sobre os dados dos usuários dos serviços das duas empresas. Ambas as plataformas coletam informações diversas sobre quem utiliza suas aplicações, desde os interesses manifestados nas interações realizadas até a localização, passando pela navegação em outros sites.
Ao mesmo tempo, o controle sobre esses dados é chave na disputa do mercado de publicidade digital, cujo funcionamento se dá por meio da criação de perfis para segmentar os anúncios de acordo com interesses e características dos usuários. “Estamos preocupados que elas são tão grandes e têm tamanho acesso a dados que rivais potenciais não podem competir em termos iguais”, diz o texto.
Essa capacidade de coleta de registros impacta, por exemplo, o mercado de buscas. Como os resultados a perguntas são mostrados de forma personalizada, quanto mais dados sobre o usuário, maior a condição de oferecer respostas que atendam de alguma forma as suas expectativas. O vasto volume de informações sobre as pessoas dá uma condição especial ao Google, tornando muito difícil que outro mecanismo de busca (como Bing ou Duck Duck Go) consiga se equiparar.
As firmas estabelecem uma relação assimétrica de poder e controle de informação com seus usuários, marcada por pouca transparência. Essa desigualdade se sintetiza nas regras internas, os chamados “termos de serviço”, que permitem a coleta, uso e compartilhamento dessas informações. Aos usuários, é reservada apenas a opção de aceitar ou não caso queira fazer parte das redes ou utilizar os serviços.
De acordo com o estudo, uma estratégia empregada pelas plataformas para favorecer seus produtos é colocá-los como o padrão (default). Em 2018 o Google pagou 1 bilhão de libras à Apple para ficar como mecanismo de busca padrão dos dispositivos da empresa, como smartphones. O Google, por exemplo, beneficia-se do fato de controlar o sistema operacional Android para pré-instalar aplicações suas, como o mecanismo de busca de mesmo nome, o YouTube, o Maps e outras, favorecendo esses apps em detrimento de concorrentes.
“Essas questões importam aos consumidores. Se a competição na busca e redes sociais não está funcionando bem, isso pode levar a uma redução na inovação e nas escolhas dos consumidores, dando mais dados do que querem a essas empresas. Uma competição fraca na publicidade digital pode aumentar os preços de bens e serviços na economia e prejudicar a habilidade de veículos produzirem conteúdo valioso, em detrimento da sociedade”, concluiu a análise.
A preocupação com o impacto no segmento de mídia, que servem de espaço onde a publicidade comercializada por Google e Facebook é veiculada, foi um dos aspectos explorados pelo estudo. Os autores consideraram que veículos recebem pelos anúncios remuneração entre 50% e 65% abaixo do que deveriam. “Isso pode reduzir os incentivos e a habilidade para o investimento em notícias e conteúdo online, em detrimento daqueles que usam e valoram esses conteúdos”, diz o documento.
Medidas
Para evitar o abuso de poder econômico por essas plataformas, o estudo traz um conjunto de propostas no sentido de um regime pró-competição neste mercado. Empresas com o que o estudo chama de “condição de mercado estratégico” deveriam ser submetidas a um código de conduta com dispositivos sobre negócios justos, transparência e abertura para escolha pelos usuários dos serviços. O texto, contudo, não detalha o conteúdo do código.
As firmas nesta condição, como o Google e o Facebook, também deveriam ter obrigações de transparência e políticas de privacidade que reduzissem o controle sobre os dados e informassem de forma mais clara essas pessoas. O documento sugere que as empresas deveriam oferecer a possibilidade de uso dos seus serviços sem exigir coleta dos dados para publicidade personalizada. As opções padrão deveriam ser uma opção do usuário, e não uma imposição da plataforma, da fabricante do aparelho ou do sistema operacional.
O relatório recomenda também formas de interoperabilidade entre redes sociais, como o Facebook, com outras, permitindo que uma pessoa se comunique ou interaja com um participante do Facebook sem necessariamente ter de estar dentro desta rede. A companhia também não poderia impor restrições a concorrentes, o que dificulta a competição neste segmento.
Por fim, o documento indica a necessidade de pensar em formas de medidas de separação, entre as quais poderia estar o provimento de publicidade digital do restante dos serviços do Google ou até mesmo a “quebra” dos grupos, com a obrigação de se desfazer de algum dos negócios. O tema vem aparecendo tanto entre acadêmicos quanto entre políticos, e já surgiu como bandeira na disputa eleitoral presidencial dos Estados Unidos.
Publicidade
Segundo o vice-presidente do Google para o Reino Unido e a Irlanda, Ronan Harris, o setor de publicidade digital ajuda empresas do país a encontrar clientes.
“Nós construímos controles fáceis de usar que permitem que as pessoas gerenciem seus dados nos serviços do Google – como a capacidade de desativar a publicidade personalizada e de excluir automaticamente o histórico de pesquisas. Continuaremos a trabalhar construtivamente com a CMA e o governo nessas áreas importantes para que todos possam aproveitar o máximo da web”, disse Harris, em comunicado enviado à Agência Brasil.
A Agência Brasil entrou em contato também com o Facebook, mas a empresa não respondeu à demanda.