Por Gabriela Caesar, G1
Em seis meses de atividades, 230 dos 527 deputados federais que assumiram o mandato em algum momento desta legislatura estiveram ausentes em pelo menos 1/4 das votações nominais da Câmara dos Deputados. É o que aponta um levantamento do G1 com dados de 1º de fevereiro a 12 de julho de 2019.
Isso significa que 44% dos deputados – quase a metade – faltaram, quando exerciam o mandato, a uma de cada quatro votações nominais no plenário da Câmara. As votações nominais são aquelas em que é identificado o posicionamento de cada parlamentar.
Foram 144 votações nominais no primeiro semestre de trabalhos na Casa, em que deputados se manifestaram quanto a projetos de lei, PECs, requerimentos, destaques, entre outros. O levantamento mostra que 85% das votações ocorreram na terça ou na quarta-feira, dias da semana considerados mais agitados na Câmara.
O dia com a maior média de ausentes foi 17 de junho deste ano. Naquele dia, foram votados dois requerimentos (um de retirada de pauta e outro de adiamento da votação por duas sessões). As duas votações nominais somaram 400 deputados ausentes. A média do dia foi de 200 faltantes.
Já as votações com a menores médias de ausentes foram registradas na semana que discutiu a reforma da Previdência no plenário da Câmara, em 10, 11 e 12 de julho deste ano. A votação do texto-base da reforma da Previdência, por exemplo, teve apenas 3 ausentes, em 10 de julho. Naquele dia, também houve outras 7 votações nominais.
‘Lógica corporativista’
O cientista político e pesquisador da FGV-SP Humberto Dantas diz que, mesmo considerando os casos de problemas de saúde e as missões oficiais dos deputados, os números de ausências são altos e indicam que alguns deputados adotam a estratégia de faltar as votações para “não se comprometer” ou para “não ficar de mal com nenhum lado”.
“Se o Parlamento é a casa da convicção e o parlamentar não sabe se ‘sim’ ou ‘não’, é estranho. O parlamentar tem que ser convicto. Faltar é uma estratégia calculada por muitos, mas não muito razoável do ponto de vista do que o eleitorado espera do seu representante. Por vezes é uma forma de fugir de alguma temática muito delicada para esse parlamentar”, diz.
Dantas afirma ainda que, como as justificativas de ausências são avaliadas pela Câmara, existe uma “lógica corporativista” para aceitar e abonar eventuais faltas dos deputados. “Se as sessões são terças, quartas e quintas, [o deputado] arruma alguma coisa para fazer nas segundas e nas sextas. Mas ele não pode sair fora na terças, quartas e quintas.”
O cientista político acrescenta ainda que os deputados podem se afastar temporariamente do cargo. Quando isso ocorre, é o suplente do partido ou da coligação que assume. Porém, caso o parlamentar apenas se ausente por determinado período, ele continua recebendo salário e ainda mantém a estrutura do gabinete e de funcionários.
Mais ausentes
Os cinco deputados que mais faltaram às votações nominais nesta legislatura foram Josias Gomes (PT-BA), Soraya Santos (PL-RJ), Luciano Bivar (PSL-PE), Bruna Furlan (PSDB-SP) e Vinicius Gurgel (PL-AP).
As votações nominais ocorrem, principalmente, quando é necessário quórum qualificado, como nas votações de PECs e de projetos de lei complementar, e também quando há um pedido de verificação de votação. Nesses casos, cada deputado registra o próprio posicionamento no sistema eletrônico de votos.
Nas demais situações, a votação costuma ser simbólica, sem identificar o posicionamento de cada deputado, e o líder partidário pode se manifestar pela bancada do partido. Normalmente, os processos legislativos são acordados pelos políticos nos bastidores.
O deputado licenciado Josias Gomes (PT-BA) esteve ausente em todas as 21 votações nominais que ocorreram até ele se licenciar do mandato, em 13 de março deste ano. Gomes, que atualmente comanda a Secretaria de Desenvolvimento Rural do governo da Bahia, foi procurado pelo G1 e não se manifestou.
Já a deputada Soraya Santos (PL-RJ), integrante da Mesa Diretora como primeira-secretária, faltou a 116 das 144 votações nominais – 80,6% do total. Em nota, a assessoria de imprensa da deputada diz que Soraya Santos ocupa “o segundo cargo mais importante da Mesa Diretora” e que “tendo em vista o volume de demandas, a primeira-secretária fica dispensada” de registrar presença nas sessões da Câmara e também de participar das votações nominais.
O presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), é o terceiro deputado com mais ausências em votações nominais. Bivar deixou de se posicionar em 115 das 144 votações nominais – 79,9% do total.
Em nota, a assessoria de imprensa de Bivar afirma que as “eventuais ausências nas votações ocorrem devido ao acúmulo de atribuições como integrante da Mesa Diretora” e que “muitas vezes ele tem de se ausentar do plenário para receber embaixadores, autoridades e parlamentares no gabinete da 2ª Vice-Presidência”. A nota acrescenta ainda que Bivar esteve presente em 66% das sessões plenárias da Câmara.
Eleita por São Paulo, a deputada Bruna Furlan (PSDB) também está entre os deputados que acumulam mais ausências em votações nominais. A deputada faltou a 112 das 144 votações nominais – 77,8% do total.
A assessoria de imprensa da deputada afirma que “todas as ausências foram justificadas com requerimentos por atividade parlamentar e por motivo de saúde (rompimento dos ligamentos do pé)”. A deputada também diz que parte das votações nominais em que esteve ausente abordava “procedimentos regimentais”.
“Estar ‘ausente’ durante algumas votações não significa que esteja fora do Congresso Nacional, e sim participando de reunião de frente parlamentar, audiências públicas, audiências em ministérios, concedendo entrevista, o que também faz parte do meu trabalho”, diz a nota.
O 5º deputado com mais ausências foi Vinicius Gurgel (PL-AP), que faltou a 109 das 144 votações nominais – 75,7% do total. O deputado diz que a atuação parlamentar dele está voltada para a liberação de recursos para o Amapá.
“Eu me dedico à liberação de recursos para obras de grande impacto para o estado, como aeroportos, duplicação de rodovias e outras obras estruturantes. Algumas vezes eu não consigo chegar a tempo da votação no plenário. A votação é em 5 minutos e se encerra muito rápido.”
Sessões no plenário
Um levantamento enviado pela Câmara por meio da Lei de Acesso à Informação mostra ainda dados da frequência de deputados em sessões plenárias durante esta legislatura.
Das 196 sessões plenárias realizadas nos seis meses de atividades, 86 foram nominais e, portanto, registraram a presença ou a ausência de cada deputado. As sessões plenárias nominais foram extraordinárias (57) e ordinárias (29).
Os deputados registraram, no total, 4.461 ausências nessas sessões, sendo que 66,9% das ausências foram justificadas. Os deputados que mais estiveram ausentes foram Paulo Freire Costa (PL-SP), com 48 ausências; Vinicius Gurgel (PL-AP), com 45 ausências; Assis Carvalho (PT-PI), Giacobo (PL-PR) e José Priante (MDB-PA), com 36 ausências.
Eles, porém, justificaram boa parte das faltas. Os principais motivos para as justificativas são “decisão da Mesa Diretora”, “licença para tratamento de saúde” e “missão oficial autorizada”.
Entre os deputados que mais faltaram a sessões e não justificaram a ausência estão José Priante (MDB-AP), Guilherme Mussi (PP-SP), Luciano Ducci (PSB-PR), Marcelo Aro (PP-MG), Elcione Barbalho (MDB-PA) e Sebastião Oliveira (PL-PE).
Desconto de salário
A Câmara dos Deputados informa que a ausência em sessões deliberativas – aquelas em que há votações – pode ter como consequência desconto no salário do deputado. A remuneração mensal bruta de um deputado é de R$ 33.763,00.
Porém, a redução do salário pode ser evitada caso o deputado justifique a ausência em até 30 dias ou a qualquer momento em caso de licença médica. Questionada, a Câmara não informa se algum deputado sofreu desconto de salário por ausência nesta legislatura.
O artigo 55 da Constituição Federal diz ainda que o deputado pode perder o mandato caso se ausente de, no mínimo, 1/3 das sessões ordinárias em cada sessão legislativa (um ano de atividades). Para o cálculo, porém, são desconsideradas licenças ou missões oficiais autorizadas pela Mesa Diretora.
Apenas dois deputados federais foram cassados por faltas na Câmara: Felipe Cheidde (SP) e Mário Bouchardet (MG), ambos filiados ao então PMDB. Na época, em 1989, foi noticiado que Cheidde compareceu a apenas três sessões, enquanto Bouchardet nunca registrou presença no plenário.