Dra. Carla Liane N. Dos Santos
Vice-Reitora – UNEB
Uma notícia atroz percorreu os noticiários e redes sociais no dia de hoje dando conta de um ato de violência extrema que tirara a vida de mais uma mulher negra na Bahia. Esta jovem, porém, era muito próxima de nós, graduada do curso de Pedagogia, do Departamento de Educação I, da UNEB. Muitos exclamaram tomados pela surpresa: “Será verdade?”, “Ela era minha aluna”, “Colou grau recentemente”… As manifestações de professores e colegas eram de tristeza, dor, saudade, revolta, impotência.
Movida por um sentimento de indignação e, ao mesmo tempo, solidariedade com os amigos e familiares de Helem Moreira tomei a decisão de escrever este texto. Acredito que há indignações tão profundas que precisam ser expressas de forma a fazer ecoar nossa voz, como um grito de alerta contra o que chamo de supremo desrespeito ao direito humano à vida.
A violência contra a mulher é um fato social no sentido sociológico do termo. De acordo com a ONU, em todo o mundo, uma a cada três mulheres já foi vítima de algum tipo de abuso, espancada, violentada ou assassinada. O ato, geralmente é praticado por companheiros ou ex-companheiros que fazem uso da força para manter ou reforçar o seu poder sobre elas.
A partir da perspectiva de gênero compreendo que esse tipo de violência tem uma singularidade que o diferencia de outros tantos; ocorre em sociedades com características patriarcais como a brasileira e, a despeito de todos os avanços da nossa democracia, tem como mote uma relação hierárquica pautada no entendimento de que a mulher é desigual e subalterna (frágil, pouco racional, incapaz de exercer liderança, necessita de comando) em relação ao homem. Daí o desenvolvimento de mecanismos de controle tanto físico, quanto ideológico sobre a vida – publica e privada – da mulher. A agressão física é a exacerbação desse quadro.
Do ponto de vista da instituição universitária é preciso combater veementemente o discurso da subalternidade feminina e os atos que atentam diariamente contra as mulheres todos os dias. Na própria UNEB, casos de violência contra docentes e estudantes vêm ocorrendo frequentemente e necessitam ser energicamente combatidos; os processos devem ter a devida celeridade, os culpados tem que ser punidos, de forma a criar condições políticas, culturais e até históricas de reconhecimento da legitimidade e gravidade da questão. Toda forma de violência de gênero precisa ser coibida, punida, extinta.
Urge criar um coletivo na UNEB – que nomearia Helem Moreira – para atender mulheres da comunidade acadêmica em situação de violência, ampliando o espaço de diálogo tão necessário e propondo encaminhamentos.
Aqui lembro Lacan em uma célebre frase “Sei o que eu digo, só não sei o que o outro escuta”. Muitas vezes, ouvimos, mas não escutamos, não percebemos a gravidade de alguns relatos, pois estamos culturalmente habituados a entender aquilo como “coisa de mulher mimada”, ou que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Perpetuamos valores dominantes, reproduzimos o discurso da subalternidade e contribuímos para a violência continuar à sombra, invisível, como fenômeno natural e normal. Estejamos alerta!
Finalizo esta breve reflexão com um trecho do poema de Dora Incontri que dedico a todas as mulheres, em especial e respeitosamente a Helem Moreira (in memorian) pela sua vida e pela sua luta, um exemplo para nós.
(…) Ó terna guerreira, eterna na lida/ não mais quero à beira, calada, escondida. Não mais acuada./ Homens, sois filhos, sois pais, sois irmãos/ Por que não limpais, Enfim vossas mãos?/ Por que não partilhais, iguais condições? / Por que não espalhais, honestos corações! Mulheres, não rompamos, nossas mãos unidas/ E sempre as estendamos/ Às irmãs mais feridas! /Homens e mulheres/ Um mundo mais igual/ O respeito natural/ E a liberdade afinal!