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Matheus Buranelli e Oemeson Moreira

Em mundo onde os livros contam histórias de reinos longínquos, um homem de 43 anos decidiu construir um castelo que fosse fácil chegar. Nascido e criado em Periperi, levantou as torres em um terreno que possuía no bairro, no número 85 da rua Dom Pedro II – na época ainda sem pavimentação. Como não tinha o imperador na barriga, ergueu as paredes com cuidado, para que não ficassem mais altas que as da vizinhança, afinal ninguém é maior do que ninguém. Parece conto de fadas, mas essa é a história real do professor, escritor e jornalista Ailton Santana.

Ousado, queria guardar tantos sonhos quanto fosse possível dentro do castelo. Saiu de porta em porta pelas terras de Periperi, anotando sonhos ou guardando na memória o que escutava. Depois de reunir mil desejos, começou a construir seu maior projeto: o Castelo dos Sonhos Possíveis. Queria um igual ao que vira no livro infantil O Castelo, de Brian Lee. Com dinheiro do próprio bolso (equivalente hoje a R$100 mil), saiu em busca de construtores de palácios. Não foi fácil achar nas redondezas quem soubesse e Ailton demorou três anos para ver o sonho sair do papel. Os vizinhos diziam que era maluquice, mas ele insistiu. O único da rua que ajudou foi o amigo eletricista Fernando Luiz, que instalou lâmpadas nas torres. Apesar da muralha de blocos azuis e vermelhos, por dentro é como qualquer outra casa, afinal, não importa como somos por fora, por dentro tudo funciona igual.

Depois da inauguração, o castelo virou abrigo para muitos sonhos. Na biblioteca real, as crianças liam livros e faziam pesquisas escolares. Lá também funcionava uma rádio-poste para os vizinhos ouvirem música e ficarem informados. Além disso, Ailton instalou no castelo uma TV comunitária, onde exibia para convidados gravações de programas educativos da TVE e o Telecurso. De vez em quando, eram realizados eventos, como teatro de fantoches, concurso de princesas e desfile para eleger a Miss Periperi – todos para crianças. “Adoro a espontaneidade delas”, diz o senhor do castelo. Chegavam visitantes dos mais diversos bairros. Hoje com 30 anos a vencedora do concurso de princesa, Gabriela Nery, conta que o lugar ficava cheio de amigos nos fins de semana.

Ailton se casou três vezes e teve duas filhas. A primeira delas, do segundo casamento, nasceu quando ele já morava no castelo. “Gostava de ficar lá, me sentia uma princesa”, relata Clarissa Santana, 31. Depois do divórcio, o pai passou a morar sozinho na pequena fortaleza. Todos os dias de manhã, escrevia um poema de três versos num quadro branco e deixava na porta, para que todos pudessem ler. Se fosse aniversário de alguém, Ailton lembrava aos vizinhos, através do quadro e da rádio. Durante o dia, escrevia histórias infantis, talvez sem se dar conta de que ele próprio era o protagonista de uma. É autor dos livros Tatau Virou Mingau; A Ex-miss Suburbana e A Menina que Enganou o Sol. Em 1986, ganhou o prêmio de “Melhor Leitura para jovens”, na Bienal de São Paulo, com a obra “Hormônio”.

A história do castelo seguiu assim por 17 anos, até que foi interrompida por um problema de saúde de seu criador. Ailton teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o deixou com o lado esquerdo do corpo paralisado e dificuldades na fala. Já não podia continuar morando sozinho. Sem poder cuidar de reino, foi morar com a filha, em Pituaçu. Sete anos se passaram, o azul e vermelho da fachada desbotaram e o ponto mais alto da torre, destruído pelo tempo, denuncia que o castelo já não vive tempos de glória. “Acho que, no futuro, não vai existir mais”, imagina Rafaela Castro, 24, que mora em frente. Não há mais visitantes passando pelos portões, hoje enferrujados, e os olhos dos moradores mal atravessam os vidros quebrados das janelas. Os novos habitantes de Periperi sequer conhecem a história. A construção se incorporou à paisagem. “É normal ter um castelo na rua. Me acostumei”, diz Marlene Silva, que acompanhou a construção.

Ailton, 70 anos, ainda visita o castelo, mas, por causa da cadeira de rodas que usa há sete anos, não consegue entrar no estreito portão. Ele confessa que gostaria de reconstruir a antiga rádio-poste na frequência FM e voltar a falar para a comunidade. Mas seus sonhos possíveis não param por aí. “Se voltar a andar hoje, amanhã estou no castelo”, revela o desejo de retornar à antiga morada, onde espera viver feliz para sempre.

Alguns vizinhos citam o castelo de Ailton como ponto de referência das próprias casas

CORREIO

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