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Fonte: Globo – Fantástico

Esta semana, a atriz Regina Duarte tomou posse como Secretária Nacional da Cultura. É a quarta titular a ocupar o posto desde o começo do governo Jair Bolsonaro. A Regina deu uma entrevista exclusiva ao repórter Ernesto Paglia e falou sobre os desafios à frente da pasta, as pressões que sofreu nos últimos dias e as polêmicas entre o governo e a classe artística.

Em mais de 50 anos de telas e palcos, poucos personagens ficaram de fora do repertório de Regina Duarte. Namoradinha do Brasil, mulher rebelde, matrona exuberante. Mas o papel de secretária especial da Cultura do Governo Federal é uma completa novidade. Nesta estreia incomum, a atriz recebeu a equipe do Fantástico em seu apartamento, em São Paulo.

Ernesto Paglia: Secretária Regina Duarte. Já se acostumou com o título, com o cargo?
Regina Duarte: Sim.
Ernesto Paglia: Levou um tempo pra pensar nisso, né?
Regina Duarte: Levei um tempo, sim. Tive muitas dúvidas.
Ernesto Paglia: Quais?
Regina Duarte: É um aprendizado imenso para o qual eu não estava preparada. Isso me assustava muito. Mas eu comecei a perceber que isso também poderia dividir com uma equipe competente, experiente, apaixonada por cultura. E, que, na verdade, eu, por patriotismo, aceitei a missão.

A missão foi oferecida a ela em 17 de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro. O começo de um “noivado”, como os dois definiram. Pouco depois, Regina aceitou a proposta. Na quarta passada, a atriz tomou posse.

Ernesto Paglia: Como foram esses primeiros dias já no cargo, em Brasília? Outro ambiente, sua cadeira dentro de um ministério.
Regina Duarte: Altos e baixos. Momentos maravilhosos onde eu me sentia muito viva, como há tempo eu não me sentia. E aí, ao mesmo tempo, momentos muito angustiantes, de perceber que eu tinha que lidar com situações bastante complicadas mesmo, de política, que é uma coisa que nem me passava pela cabeça.
Ernesto Paglia: Tipo…
Regina Duarte: Você percebe que tem pessoas que estão ocupando cargos e usando esses cargos pra fazer ativismo, pra se eleger nas próximas eleições. No nosso caso, meu e da equipe, o que a gente quer é fazer cultura.
Ernesto Paglia: Na sua cerimônia de posse, a gente viu o presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama, ministros, familiares, amigos. Havia poucos artistas. Nesse momento, a senhora se sente apoiada a desempenhar o cargo?
Regina Duarte: Eu acho que aquela participação que estava ali era uma participação que já tinha demonstrado o seu apoio a esse governo. Existe uma grande maioria que está em silêncio. Essa maioria silenciosa, eu acredito que ela vai chegar, vai vir. Ela vai perceber que seria extremamente pouco inteligente desprezar esse momento que está sendo oferecido pra classe artística. E não se aproximar. As portas estão abertas pra essa classe. Queremos o diálogo, queremos receber todas as insatisfações para tentarmos resolver juntos pra ver como vamos caminhar daqui pra frente.
Ernesto Paglia: A senhora chegou a publicar nas redes sociais uma série de fotos de colegas artistas sugerindo que eles apoiavam sua presença no governo. Pouco depois, alguns deles pediram que os nomes fossem retirados. A senhora atendeu a esses pedidos imediatamente. Não ficou chateada?
Regina Duarte: De jeito nenhum. Eu achei que era um direito que eu tinha invadido sem autorização. Mesmo que eles já tivessem declarado apoio a mim, eles não estavam declarando apoio à futura secretária do governo Bolsonaro. Isso muda bastante a situação. Quando eu percebi o significado que isso ganhou pra alguns colegas, eu até aproveito pra pedir desculpas, eu retirei.
Ernesto Paglia: A senhora falou claramente no discurso de posse em pacificação. O que seus colegas podem esperar da sua gestão?
Regina Duarte: Eu acho que a polarização que foi sendo estimulada a partir do “ele, não” é gravíssima, é um tiro no pé da categoria. Por que a gente precisa passar por isso? Se o que a gente quer é a mesma coisa? Se expressar artisticamente.

Regina reclama dos ataques de alguns apoiadores de Bolsonaro, ativistas ligados à ideologia de direita que comandava a secretaria até agora.

Ernesto Paglia: A senhora disse que a riqueza cultural do povo é obrigação de estado. Dentro dessa crença, quais serão suas prioridades? O que dá pra fazer?
Regina Duarte: Nossa, dá pra fazer muita coisa. Temos muitas pautas positivas já. Eu só lamento ter perdido tanto tempo desfazendo intrigas que foram criadas, fake news, acusações não verdadeiras a respeito da proposta da equipe que está comigo. Na verdade, a gente está começando a trabalhar na semana que entra, porque até aqui estivemos ocupados com enormes dificuldades de toda uma facção que quer ocupar esse lugar. Quer que eu me demita, que eu me perca.
Ernesto Paglia: E a senhora acabou de assumir.
Regina Duarte: Sim. Já tem uma hashtag #foraregina. Eu nem comecei! Esta semana eu estive lá tentando apagar alguns incêndios que as nomeações e exonerações provocaram, como se fosse a primeira vez na vida que em política alguém entrasse pra gerenciar, digamos, uma pasta pública e fizesse esse tipo de coisa. Exonerações são necessárias. Eu quero ter uma equipe na qual eu possa confiar.
Ernesto Paglia: A senhora falou diante do presidente, no discurso de posse ainda, da carta-branca que a senhora vai cobrar. Ao mesmo tempo, o presidente lembrou que ele se reserva o poder de veto. A senhora fez algumas exonerações. Mas permaneceu no cargo uma pessoa polêmica, que é Sérgio Camargo, jornalista, que está à frente da Fundação Palmares, que já fez algumas declarações bastante rejeitadas pela comunidade negra, porque ele diz que a escravidão até teria sido boa no Brasil. A senhora pretende fazer o que com esse senhor?
Regina Duarte: Voltamos aí a essa situação da política, que interfere no fazer cultural, na medida que temos uma pessoa que é um ativista, mais que um gestor público. Estou adiando esse problema porque essa é uma situação muito aquecida. Não quero que esse desequilibro que eu tô percebendo aí ganhe mais espaço. Quero que baixe um pouco a temperatura. E logo, logo a gente vai ver. O que tem força vai ser.
Ernesto Paglia: Como a senhora pretende implantar projetos, ideias, se o cenário é de corte de verbas?
Regina Duarte: Se precisar, a gente passa o chapéu. Eu acredito que dá pra fazer uma cultura e dá pra fazer uma arte com os recursos possíveis. Por que não?
Ernesto Paglia: Uma das principais fontes, se não a principal fonte hoje da cultura no Brasil, é a Lei Rouanet, através da qual empresários e empresas contribuem para espetáculos, iniciativas culturais, galerias, exibições, mostras… Direcionam pra isso seu imposto. Vai usar a Lei Rouanet pra passar o chapéu ou a senhora pretende modificar a Lei Rouanet?
Regina Duarte: Eu acho que a Lei Rouanet precisa de alguns ajustes e estamos pensando nisso seriamente. Porque eu acho que ela pode ser mais democratizada, o bolo pode ser repartido em fatias mais equilibradas, mais justas, pra todo fazedor de cultura, de arte.
Ernesto Paglia: A senhora pretende na sua gestão batalhar pra que a secretaria da Cultura volte a ter status de ministério? A cultura mereceria?
Regina Duarte: Eu não preciso de ministério pra fazer uma gestão rica, colaborativa, construtiva. Eu acho que esse é um problema que eu deixo para que os poderes acima das minhas possibilidades decidam.

Ao assumir a presidência, Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura. Transformou a pasta numa secretaria vinculada ao Ministério da Cidadania. Oito meses depois, o então secretário Henrique Pires pediu demissão acusando o governo de censura ao suspender um edital que contemplava séries sobre a diversidade de gênero. Assumiu o economista Ricardo Braga, que ficou poucas semanas no cargo. Em novembro de 2019, Bolsonaro transferiu a cultura para o Ministério do Turismo e nomeou o ator e dramaturgo Roberto Alvim. Ele caiu após divulgar um vídeo repetindo trechos de um discurso nazista.

Ernesto Paglia: A senhora concordou com a saída dele?
Regina Duarte: Ele foi tomado por um personagem e esqueceu que ele era o secretário especial de Cultura de um país. Gravíssimo. Caiu! (risos)
Ernesto Paglia: Pelo o que eu vejo, a senhora concorda com a queda dele? Foi motivo suficiente?
Regina Duarte: Sim, sim. Aquilo foi um absurdo. Eu lamento por ele, lamento pelo desequilíbrio dele naquele momento. Da falta de entendimento do que ele representa, do cargo que ele ocupa.
Ernesto Paglia: Não corremos risco de a senhora fazer coisa parecida… Pelo visto…
Regina Duarte: Virar uma Porcina, sacudir uma pulseira… (risos) Tô certa ou tô errada (risos).

Regina interpretou a Viúva Porcina na segunda versão da novela “Roque Santeiro”. A primeira, em 1975, foi censurada pela ditadura. Dois anos depois, uma produção estrelada por Regina também foi alvo dos militares. A censura proibiu a exibição de “Despedida de Casado”, uma novela em que ela faria uma mulher prestes a se divorciar.

Ernesto Paglia: Agora, a senhora se torna secretária de um presidente que é admirador desse período dos governos militares, da ditadura. A senhora sente desconforto nisso?
Regina Duarte: Não. Eu tô vivendo a história do meu país do jeito que ela vem. Porque a história ela é… Ela anda.
Ernesto Paglia: Mas não corre o risco de andar pra trás?
Regina Duarte: Não. Eu acho que pra trás não existe, ninguém vive olhando pro retrovisor. Vamos ficar no presente e vamos olhar pra frente.
Ernesto Paglia: Parece haver um movimento conservador tentando coibir determinadas formas de expressão artística. De que maneira a Secretaria da Cultura pode atuar nessas situações?
Regina Duarte: Eu acho que o dinheiro público deve ser usado de acordo com algumas diretrizes importantes, porque é o que população que elegeu esse governo espera dele.
Ernesto Paglia: Mas o governo não governa pra todos?
Regina Duarte: Governa pra todos. E todos estão livres pra se expressar. Contanto que busquem seus patrocínios na sociedade civil. Você não vai fazer filme pra agradar a minoria com dinheiro público.
Ernesto Paglia: Mas as minorias não têm espaço?
Regina Duarte: Todas têm espaço. Devem buscar seus patrocínios.
Ernesto Paglia: Vai sentir saudade?
Regina Duarte: Do quê?
Ernesto Paglia: Dos palcos. Poderemos ver a secretária especial da Cultura também no fim de semana, quem sabe, voltando ao palco?
Regina Duarte: Não sei. No tempo do Gil, o Gil cantava.
Ernesto Paglia: Gil foi ministro da Cultura.
Regina Duarte: Por enquanto não me vejo com tempo nem possibilidade de pensar nisso. Eu tava, antes de ser convidada, estava ensaiando uma peça pra estrear agora.
Ernesto Paglia: Qual era? Pode contar pera gente?
Regina Duarte: Nem vou falar… Tá guardadinho na gaveta. E voltará, assim que possível.

Regina Duarte subiu num palco, pela primeira vez, aos 14 anos. Quase seis décadas depois, novata outra vez, a atriz tenta escrever seu próprio roteiro, naquele que tem muito para ser um personagem cercado de polêmicas.

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