Por Guilherme Mazui, Mateus Rodrigues e Pedro Henrique Gomes, G1 — Brasília
Após um mês e meio de reuniões e acertos – tratados pelo presidente Jair Bolsonaro como “namoro”, “noivado” e “casamento” –, a atriz Regina Duarte toma posse nesta quarta-feira (4) como secretária de Cultura do governo. Será a quarta ocupante do cargo em 14 meses.
A nomeação da atriz foi publicada na edição desta quarta do “Diário Oficial da União”. Também foram publicadas seis exonerações de servidores em cargos de chefia, feitas pela nova gestão (veja mais abaixo).
A cerimônia está marcada para as 11h no Palácio do Planalto. No cargo, Regina terá o desafio de encerrar a rotatividade da pasta e buscar pacificação ou, ao menos, uma convivência mais harmoniosa entre o governo e a classe artística.
Apoiadora de Bolsonaro desde a eleição, a atriz foi convidada para o cargo em 17 de janeiro e anunciou o “sim” duas semanas depois. No fim de fevereiro, Regina Duarte e a Globo anunciaram a rescisão em comum acordo do contrato de mais de 50 anos.
Durante o “noivado”, entre o convite e o aceite, a atriz viajou a Brasília para conhecer a estrutura da secretaria. Chegou a se reunir com a secretária interina, reverenda Jane Silva, que acabou exonerada semanas depois – o governo diz que Regina Duarte não interferiu.
Aos 73 anos, considerada um ícone das telenovelas no país, ela comandará uma estrutura vinculada ao Ministério do Turismo que ultrapassa as barreiras da dramaturgia. Cabe à pasta lidar com temas como economia criativa, direitos autorais, preservação do patrimônio histórico e democratização do acesso a teatros e museus, por exemplo.
A missão dada por Bolsonaro envolve comandar um orçamento de R$ 366,43 milhões em 2020 – 36,6% menor que os R$ 578,3 milhões do ano anterior. Os valores não incluem a verba das sete entidades vinculadas à secretaria, que são as seguintes:
Agência Nacional do Cinema (Ancine), responsável por fomento, regulação e fiscalização do mercado audiovisual;
Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), responsável pela gestão de 27 museus federais e pela política nacional do setor;
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela gestão do patrimônio cultural brasileiro;
Biblioteca Nacional, responsável por “coletar, registrar, salvaguardar e dar acesso à produção intelectual brasileira”;
Fundação Casa de Rui Barbosa, criada para divulgar a vida e a obra do jurista – um dos principais intelectuais da história do Brasil;
Fundação Nacional de Artes (Funarte), criada para promover e incentivar o desenvolvimento e a difusão das artes no país;
Fundação Cultural Palmares, voltada à promoção e à preservação da influência negra na formação da sociedade brasileira.
Regina Duarte nunca deu entrevistas sobre o novo cargo, nem disse em redes sociais quais serão as prioridades à frente da secretaria. O G1 ouviu especialistas e ex-gestores federais da Cultura para mapear os principais desafios da atriz.
Exonerações
No dia da posse de Regina Duarte, a nova gestão da secretaria publicou as exonerações de cinco servidores em cargos de chefia:
Ricardo Freire Vasconcellos: diretor do Departamento do Sistema Nacional de Cultura
Ednagela dos Santos Barroso dos Santos: diretora do Departamento de Promoção da Diversidade Cultural
Maurício Noblat Waissman: coordenador-geral da Política Nacional de Cultura Viva
Raquel Cristina Brugnera: chefe de gabinete da Secretaria da Economia Criativa
Gislaine Targa Neves Simoncelli: chefe de gabinete da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura
Leônidas José de Oliveira: diretor-executivo da Fundação Nacional de Artes (Funarte)
Em busca da ‘pacificação’
Primeiro secretário da Cultura no governo Bolsonaro, Henrique Pires diz esperar que Regina seja capaz de conduzir uma “pacificação” entre a classe e a indústria da cultura e o governo federal. A palavra foi usada por outros entrevistados, em referência ao mesmo tema.
“Do ponto de vista político, acho que deveria haver uma pacificação da classe que produz e consome cultura, a fim de achar consensos. Senão, [Regina] novamente terá de cuidar de ‘apagar incêndios’, o que não é a função da secretaria”, afirma.
Henrique Pires assumiu o cargo no início da gestão Bolsonaro e saiu em agosto, após a notícia de que um edital de fomento a obras com temas LGBTI tinha sido suspenso pela presidência. Disse, naquele momento, que não iria “chancelar a censura”.
“A secretaria não é espaço de militância. É espaço de incentivo à economia da cultura com segurança jurídica. Se derivar o discurso para a questão da militância, do ‘nós contra eles’, aí não tem como dar certo”, declara.
O ex-secretário diz ainda que a indústria da cultura precisa de “segurança jurídica” para executar os editais apresentados pelo governo. Isso significa que, uma vez lançadas, as regras precisam se manter até a conclusão das apresentações e dos pagamentos, sem alterações repentinas.
No campo orçamentário, Pires ressalta a importância do reforço das verbas para restauração e preservação do patrimônio nacional – tarefa principal, mas não exclusiva, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
“Essa turbulência que ocorreu na secretaria, colocando diversas sucessões de secretários, acabou impactando no orçamento da cultura em 2020. No patrimônio histórico, ou se reposiciona o orçamento do Iphan, ou vai ter obra parando […] Bom seria que ela pudesse, com o prestígio e a história que tem, tocar a secretaria, no mínimo, com o orçamento do ano passado.”
Na área de museus, o ex-secretário aponta a necessidade de recursos para obras de prevenção e combate à incêndios, como o que destruiu a maior parte do prédio e do acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018. “É preciso qualificação permanente contra sinistros”, diz.
Cultura como prioridade
Ministro da Cultura no governo Michel Temer, ex-diretor da Ancine e atual secretário de Cultura de São Paulo, Sérgio Sá Leitão aponta dois desafios para o trabalho de Regina Duarte no governo federal:
colocar a cultura como prioridade nas políticas do governo, e
fazer funcionar a máquina da secretaria, dos órgãos e das entidades vinculadas.
“Para isso acontecer, é necessário uma mudança de posicionamento do governo em relação a essa área. É o primeiro e central desafio que ela tem: fazer com que o presidente e o conjunto do governo entendam a importância estratégia da cultura e da política pública para o desenvolvimento do país em termos humanos e econômicos”, diz.
Sobre o segundo desafio, Sá Leitão diz que as indefinições e alterações que marcaram os últimos 14 meses deixaram as entidades federais “paralisadas, ou funcionando muito abaixo da capacidade.”
Questionado sobre a tal necessidade de “pacificação”, o ex-ministro diz que isso poderá vir “ao natural”, caso Regina supere os desafios listados.
“A pacificação virá naturalmente, na medida em que o governo valorizar a área cultural. Virá naturalmente, se a máquina de cultura do governo federal funcionar plenamente. A pacificação será uma consequência natural.”
Assim como Henrique Pires, Sá Leitão manifestou preocupação com a situação orçamentária do Iphan, responsável pela conservação do patrimônio cultural e histórico brasileiro. Esse patrimônio inclui não só os museus, igrejas e prédios tombados, mas manifestações culturais como danças, culinária e outras tradições.
“Tenho preocupação muito grande em relação ao Iphan, que lida com algo muito precioso e relevante para o país, o patrimônio histórico. Quando o Iphan não funciona adequadamente, o patrimônio histórico fica mais vulnerável. Um Iphan fragilizado significa um patrimônio fragilizado”, diz.
Entre 2019 e 2020, o orçamento autorizado para o Iphan caiu de R$ 600,9 milhões para R$ 321,1 milhões. Ao mesmo tempo, o Iphan passou por trocas de comando em parte das 27 superintendências regionais. As mudanças foram contestadas em estados como Minas Gerais, onde uma museóloga foi substituída por um cinegrafista sem experiência de gestão.
Questionado sobre uma possível “guinada nacionalista” na arte – como sugerido por Roberto Alvim, último secretário a comandar a pasta –, Sérgio de Sá Leitão defendeu “absoluto respeito” à liberdade de criação e de expressão.
“Espero que a Constituição seja respeitada e cumprida. É fundamental que haja ambiente de diversidade cultural. É fundamental que haja absoluto respeito à liberdade de criação e à liberdade de expressão. Isso está determinado na nossa Constituição, basta que se respeite a Constituição”.