Por Mariana Oliveira e Rosanne D’Agostino, TV Globo e G1 — Brasília
A Procuradoria da República em Brasília recorreu nesta sexta-feira (25) da decisão que absolveu o ex-presidente Michel Temer no caso em que ele foi gravado dizendo “tem que manter isso, viu?” ao empresário Joesley Batista.
O recurso da procuradoria foi apresentado ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), com sede em Brasília.
Temer foi denunciado em 2017 por embaraço a investigação de organização criminosa, a chamada obstrução de Justiça.
À época da denúncia, a Procuradoria Geral da República (PGR) afirmou que o áudio demonstrava uma tentativa de Temer de comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) e do operador Lucio Funaro, presos na Lava Jato, para que eles não fechassem acordo de delação. Temer sempre negou.
No último dia 16, o juiz Marcos Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal, entendeu que a acusação era “frágil” e absolveu Temer.
Na decisão, o juiz também afirmou que o diálogo não indicou crime por parte de Temer, acrescentando que pode ter havido adulteração da conversa por parte do Ministério Público Federal.
Ao comentar a decisão, a defesa de Temer disse que a absolvição representou o “reconhecimento de que o grande escândalo com o qual se tentou derrubar um presidente da República baseou-se na distorção de conversa gravada, pois o conteúdo verdadeiro dela nunca indicou a prática de nenhuma ilegalidade por parte dele”.
O que argumenta a procuradoria
No recurso de apelação apresentado ao TRF-1, a Procuradoria da República afirma que ao contrário do que sugeriu o juiz não houve manipulação da conversa de Temer.
“Apesar das descontinuidades relatadas no laudo, e considerando-se todas as técnicas aplicadas na realização dos exames, concluiu-se que não foram encontrados elementos indicativos de que a gravação questionada tenha sido adulterada em relação ao áudio original, e que a gravação é consistente com a maneira em que se alega ter sido produzida”, argumentou a Procuradoria.
Conforme o recurso, o laudo deixa claro que interrupções na gravação não tiveram “o condão de inviabilizar o processamento dos fatos denunciados”.
Além disso, a Procuradoria argumenta que as provas vão além das gravações, e que o juiz absolveu o ex-presidente “sem analisar uma série de evidências que instruem os autos”.
No documento, o MPF reafirmou o entendimento de que Temer agiu para impedir o desdobramento das investigações, instigando Joesley Batista comprar o silêncio de Cunha e de Funaro.
O documento menciona, ainda, delações premiadas e depoimentos de executivos da J&F sobre operacionalização de pagamentos que, segundo a Procuradoria, corroboram a denúncia.
“Todos esses depoimentos esclarecem a forma de pagamento de propina e a atuação da organização criminosa para manter esse pagamento a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro enquanto presos”, diz o documento.
O Ministério Público também reproduziu a conversa entre Joesley Batista e Temer no Palácio do Jaburu para defender que, embora a conversa contivesse trechos “eventualmente em cifra”, Temer entendia que se falava sobre evitar o avanço da Lava Jato.
“Foi nesse contexto, de troca de informações sobre situação jurídica de membros da organização criminosa e (im) possibilidades de atuação para manterem o controle da situação, que Joesley informou ‘Tô de bem com o Eduardo’, ao que Michel Temer respondeu ‘Tem que manter isso, viu?’, e Joesley Batista esclareceu: ‘Todo mês…’. Michel Temer, portanto, instiga Joesley Batista a manter exatamente o que tem feito: ficar bem com Eduardo Cunha, zerar qualquer pendência com ele, ou com Lúcio, mencionado logo antes”, argumentou a Procuradoria.
Para os procuradores, Temer “entendeu bem o recado dado por Joesley Batista” ou então “teria questionado o significado de suas afirmações”.
“Com base nessa compreensão, adotou uma clara postura de líder de uma organização criminosa, preocupado com a situação dos seus membros, conduta essa absolutamente indigna do cargo de autoridade máxima do país que exercia”, conclui o MPF.
Apresentação da denúncia
Temer foi denunciado em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em razão da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista.
Na ocasião, porém, o Supremo Tribunal Federal só poderia analisar o caso se a Câmara dos Deputados Autorizasse. A maioria dos parlamentares, contudo, rejeitou o prosseguimento do processo, que ficou parado até o fim do mandato de Temer.
Neste ano, quando Temer deixou a Presidência da República, o caso passou a ser analisado pela primeira instância da Justiça, em Brasília.