Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil*
Cinco das sete espécies de tartarugas marinhas desovam na costa brasileira e todas elas estão ameaçadas de extinção. Foi com a meta de reverter esse cenário que um grupo de estudantes de oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) criou em 1980 o Projeto Tamar, que deu início neste fim de semana às comemorações de seus 40 anos. Mesmo diante de ameaças cotidianas, estudos científicos já são capazes de apontar uma melhora do cenário.
De acordo com dados do Projeto Tamar, há uma tendência de recuperação das populações de tartaruga-cabeçuda, tartaruga-de-pente, tartaruga-oliva e tartaruga-de-couro. Já a população de tartaruga-verde apresenta atualmente sinal de estabilidade. Ainda assim, a tartaruga-de-couro e a tartaruga-de-pente estão em estado crítico, conforme a lista vermelha de espécies ameaçadas elaborada pela União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Entre as outras quatro, algumas são classificadas como em risco de extinção e outras como vulneráveis.
Pesca incidental
A pesca incidental, sobretudo durante o arrasto do camarão, é considerada atualmente a principal ameaça a essas populações. Estudos realizados pela organização não-governamental Conservação Internacional (CI) em parceria com universidades dos Estados Unidos já estimaram que 85 mil tartarugas marinhas capturadas em todo o mundo incidentalmente morreram ao longo das décadas de 1990 e 2000.
No Brasil, uma pesquisa conduzida na Universidade Federal Fluminense (UFF) pela bióloga Suzana Machado Guimarães acompanhou quatro barcos entre julho de 2010 e dezembro de 2011. Foram capturados nesse período 44 animais, o que aponta para uma taxa de 5,3 tartarugas afetadas a cada mil horas de pesca.
O Tamar desenvolve programa específico que inclui educação ambiental e orientação aos pescadores, além de desenvolver novos recursos e petrechos que possam minimizar as mortes. Foi desenvolvido, por exemplo, o chamado anzol circular em substituição ao anzol em forma de J.
“Fizemos um corpo a corpo com as empresas de pesca industrial que trabalham, por exemplo, com captura de atum. Conseguimos que elas aderissem antes mesmo que viesse a regulamentação. Nós provamos que não afetava a pesca da espécie alvo, além de ser benéfico a elas já que faziam um esforço grande quando capturavam tartaruga. Essa mudança reduz em 70% a captura das tartarugas neste tipo de pesca. Então, todo mundo ganha”, diz a oceanógrafa Neca Marcovaldi, coordenadora de pesquisa e conservação do Projeto Tamar e uma das fundadoras da iniciativas.
Medidas normativas também buscam enfrentar o problema. O anzol circular se tornou obrigatório na costa brasileira em novembro de 2018, conforme portaria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Já o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proíbe em algumas localidades do Nordeste o arresto do camarão durante a temporada reprodutiva de tartarugas.
Outras ameaças às tartarugas
Não é só a pesca que ameaça as tartarugas. A coleta de ovos nas praias para alimentação durante muito tempo colocava em risco as espécies, mas com a conscientização e o envolvimento das comunidades no trabalho de conservação, esse hábito já não acontece nos pontos onde há presença do Tamar. A poluição, por outro lado, é um problema que demanda maior atenção: envolve desde os plásticos, que uma vez descartados no oceano podem ser ingeridos e causar sufocamento, até derramamento de óleo, como o ocorrido recentemente na costa brasileira, que já levou à morte mais de 20 tartarugas.
Curiosamente, um dos tipos de poluição mais ameaçadores a essas espécies é a fotopoluição, já que se tratam de animais sensíveis à luz. O excesso de luminosidade nas praias pode afugentar fêmeas que chegam para desovar. Porém, ainda mais agravante, é o risco de morte de ninhadas inteiras. Quando recém-nascida, após sair do ovo, a tartaruga se dirige ao oceano se orientando para o horizonte de maior claridade.
Se houver um holofote na praia, por exemplo, os filhotes vão se locomover em direção a ele. O dono de uma casa de praia em área de desova, se usar iluminação excessiva, poderá se surpreender pela manhã com dezenas de tartarugas recém-nascidas mortas em sua casa. Por esta razão, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabelece, por meio da Resolução 10/1996, normas a serem observadas. Na Bahia, também foi definida em lei estadual restrições de incidência de luz artificial em praias onde ocorrem desova.
Aquecimento global
Pesquisas ainda estão em desenvolvimento para se compreender efeitos do aquecimento global sobre as tartarugas marinhas. Sabe-se que o sexo dos animais é definido pela temperatura da areia onde está a ninhada: por volta de 29 °C, cerca de metade dos filhotes será formada por fêmeas e a outra metade por machos. Acima dessa temperatura, mais fêmeas são geradas, e abaixo dela, nascerão mais machos.
O receio é de que uma simples mudança de 1 °C na média global impacte a distribuição dos sexos nas populações de tartarugas. Estudos preliminares, no entanto, revelam que isso ainda não está ocorrendo. Pesquisadores do Tamar lembram que as tartarugas são seres de milhões de anos, que já enfrentaram eras glaciais. Com uma grande capacidade de adaptação, poderiam, por exemplo, mudar as áreas de desova para preservar a composição sexual.
“Temos aparelhos monitorando as temperaturas nas praias, para que possamos sempre pensar em possíveis ações. Mas eu sou otimista, acho que tudo tem jeito. Esses animais já passaram por muitas mudanças e conseguiram sobreviver”, diz Neca.
No entanto, outros desdobramentos do aquecimento global podem ser mais preocupantes. “A mudança climática pode ocasionar o desvio de correntes marinhas. E o fluxo das tartarugas também é gerido pelas correntes. Alterações climáticas podem impactar ainda na disposição de alimentos em áreas onde elas visitam”, observa a oceanógrafa.
Recuperação
Estudos coordenados pelo projeto Tamar revelam um crescimento populacional da tartaruga-cabeçuda de cinco vezes entre as temporadas reprodutivas de 1988/1989 e 2003/2004. Trata-se da espécie que mais se reproduz na costa brasileira. O litoral do país é seu terceiro destino predileto, atrás apenas das praias da Flórida, no Estados Unidos, e de Masirah, em Omã, no Oriente Médio.
A tartaruga-oliva aumentou o número de ninhos em 15 vezes, passando de 252 na temporada de 1991/1992 para 3.742 na temporada 2002/2003. A menor espécie de tartaruga marinha do mundo, que historicamente tem as praias de Sergipe como ponto de desova, expandiram sua presença para boa parte da Bahia, o que levou os pesquisadores do Tamar de cunharem o apelido de “novas baianas”.
As ninhadas de tartaruga-pente cresceram sete vezes entre as temporadas 1991/1992 e 2005/2006, passando de 199 para 1.345. Também para esta espécie, o Brasil é um dos principais destinos para desova, sendo que Bahia e Rio Grande do Norte são seus estados preferidos. Já a tartaruga-couro concentra suas ninhadas na região de Regência, distrito de Linhares (ES). No local, há um número reduzido de desovas, mas que aumentou. O salto foi de uma média de 25 ninhos por temporada no final dos anos 1980 para uma média de 90 nos últimos cinco anos. Esta espécie é a maior do mundo e pode medir até dois metros de comprimento e pesar até 750 quilos.
Já a tartaruga verde, cujas populações apresentam sinal de estabilidade, desova principalmente em ilhas e arquipélagos como Atol das Rocas e Fernando de Noronha. Na costa continental, encontrar ninhos é raro, mas ela marca presença para se alimentar, principalmente próximo a corais.
Cada ninhada costuma ter cerca de 120 ovos e a fêmea desova de três a sete vezes em cada período reprodutivo, geralmente sempre retornando à mesma praia. “O animal pode transitar e ir se alimentar em outro país. Mas na época da desova ele retorna ao mesmo local do ano anterior”, diz Neca. Essa característica da espécie faz com que a contagem das ninhadas sejam um bom referencial para medir o aumento populacional.
Apesar do grande número de filhotes que nascem a cada ano, o desafio da conservação não é simples. Isso porque apenas uma em cada mil tartarugas consegue chegar à fase madura, iniciada por volta dos 30 anos.
* Repórter e repórter fotográfico viajaram a convite da Petrobras