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Os tambores e atabaques bateram com mais força nesta quinta-feira (4), em um dos locais sagrados para os representantes das religiões de matriz africana em Salvador. Um ato solene oficializou o tombamento da Pedra de Xangô e da área considerada sítio histórico do antigo Quilombo Buraco do Tatu, realizado no próprio local, na Avenida Assis Valente. O evento contou com as presenças do prefeito ACM Neto e do vice Bruno Reis, acompanhados de secretários e gestores municipais, demais autoridades, representantes de religiões de matriz africana e população. A iniciativa faz parte da programação de aniversário de 468 anos da capital baiana.
A Pedra de Xangô é o terceiro elemento protegido pela Prefeitura com base na Lei de Preservação do Patrimônio Cultural do Município (8.550/2014). Em discurso, o prefeito salientou a importância da proteção de bens que estão no coração do povo baiano, a exemplo da Pedra de Xangô, ressaltando também que espaços como este precisam de um olhar especial do poder público.
“Esta assinatura não será apenas um ato formal, mas ela também renova e fortalece os compromissos da Prefeitura nesta área. A Secis (Secretaria Cidade Sustentável e Inovação), inclusive, já tem autorização para estudar a implantação do Parque Pedra de Xangô, que será mais um ponto de visitação de pessoas de todo o mundo interessadas em saber mais sobre a nossa religiosidade, história e demais aspectos que marcam os traços deste povo”, completou ACM Neto.
A presidente da Associação de Terreiros Pássaros das Águas, Mãe Iara de Oxum, agradeceu imensamente à administração municipal por apoiar uma luta que já durava oito anos. “Esta é a história de um povo. A luta pelo tombamento foi feita junto ao Iphan e ao Ipac e, graças à Prefeitura, veio a proteção do nosso espaço. Obrigada a todos por acreditarem na nossa ancestralidade”
 
Pedra de Xangô é  tombada - Foto: Valter Pontes
Pedra de Xangô é tombada – Foto: Valter Pontes

Processo – Executado pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), o processo de tombamento foi instaurado a partir das solicitações da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), da Associação Pássaros das Águas e da Câmara Municipal de Salvador. A ação segue a definição da Lei 8.550/2014, que entende que o “Patrimônio Cultural, para fins de preservação, é constituído pelos bens culturais cuja proteção seja de interesse público, pelo seu reconhecimento social no conjunto das tradições passadas e contemporâneas no município de Salvador.”

Com isso, o mérito etnográfico da Pedra de Xangô foi levado em consideração, devido ao culto realizado ao longo dos anos pelos adeptos do candomblé, que ali reverenciam e devotam oferendas ao orixá Xangô, deus do raio e do trovão e considerado representante da justiça. A diretora de Patrimônio e Humanidades da FGM, Milena Luisa Tavares, acentua no parecer que o tombamento se justifica também pelo valor dos remanescentes naturais locais (massa verde e manancial hídrico), que servem de moldura para a Pedra de Xangô.
Pedra de Xangô é  tombada - Foto: Valter Pontes
Pedra de Xangô é tombada – Foto: Valter Pontes

O presidente da FGM, Fernando Guerreiro, afirma que o tombamento do local reconhece uma crença. “Esta ação empodera um povo, faz justiça a uma reivindicação. Salvador ganha um marco identitário que reforça a própria história e tradição. Cajazeiras ganha um espaço para se estruturar e desenhar uma fisionomia própria. Parabéns a todos os envolvidos que se empenharam numa luta sem trégua. Agora é pensar no futuro e potencializar essa pedra como marco de luta e resistência”.

Subsídio acadêmico – O projeto de dissertação “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador”, da autora Maria Alice Pereira da Silva, também teve importante contribuição no processo. O estudo subsidiou a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal Assis Valente e o Parque em Rede Pedra de Xangô, desenvolvidos pela Secretaria Cidade Sustentável e Inovação (Secis) no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2016, além da instrução do processo de tombamento do local pela FGM.
Na pesquisa, é feita uma análise do grau de importância da Pedra de Xangô enquanto elemento cultural, aglutinador da teia de terreiros de Cajazeiras e adjacências. O projeto investiga a utilização do local nas festas públicas, dentro do calendário litúrgico dos terreiros e no cotidiano, bem como as manifestações culturais e as mobilizações que viabilizam, juntamente com as demais táticas de resistência, a preservação do monumento lítico.
Para subsidiar a tese foram selecionadas seis comunidades/terreiros: Ilê Axé Tumbi Odé Oji, Mutalombo Yê Kaiongo, Ilê Axé Odé Toke Ji Lodem, Ilê Axé Odé Oxalufã, Ilê Axé Obá Baba Séré, e o Ilê Tomim Kiosise e Ayo. A iniciativa também contou com a contribuição da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA).
No projeto acadêmico, Maria Alice sintetiza que a “[…] pedra de tantos nomes, pedra que seduz, encanta, não é apenas patrimônio do povo de terreiro, é patrimônio de toda uma comunidade que vê nela a sua memória, a sua história, a sua ancestralidade e que quer protegê-la das ações dos especuladores imobiliários, dos vândalos em nome da ‘fé, da omissão dos poderes públicos e de todos aqueles que não sabem viver com a diferença”.
História de luta – Localizada na Avenida Assis Valente, bairro de Cajazeiras X, a Pedra de Xangô, com sete metros de altura e largura, também é símbolo da luta dos escravos pela libertação. Ali se reuniram os negros no século XIX para organização do quilombo conhecido por Orobu ou Buraco do Tatu. Décadas mais tarde, a construção da avenida valorizou comercialmente a região e, a partir da inauguração em 2010, os rumores de destruição do rochedo cresceram junto com a especulação imobiliária.
Desde então, a pedra tem sido exposta a atentados de intolerância religiosa, como o acontecido na madrugada do dia 10 de novembro de 2015. Na ocasião, oferendas foram destruídas e foi encontrada uma grande quantidade de sal grosso, além de pichações. A luta pela preservação contou com ações de mobilização, como caminhadas, encontros e estudos sobre a importância da Pedra de Xangô.
As ações deram frutos. A Pedra de Xangô foi a primeira Área de Proteção Ambiental (APA) criada pela Prefeitura, em área preservada de mais de 17 hectares que integra o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Em 2017, o local passa a ter regimento próprio e conselho gestor formado por representantes da comunidade.
A intenção da Secretaria Cidade Sustentável (Secis), responsável pela criação e manutenção da APA, é implantar estrutura composta por ciclovia, estacionamentos, anfiteatro, quadras poliesportivas, ampliação da arborização e a criação de um viveiro etnobotânico para o cultivo de plantas medicinais. Além disso, deverá ser reservada uma área para as cerimônias em homenagem ao orixá Xangô, que batiza a pedra que nomeia o parque. A localidade será um ambiente para ritual, mas com perspectivas de receber turistas interessados nos diversos atrativos que o espaço oferecerá.
Demais ações – A partir da Lei 8.550/2014, já foram realizados dois tombamentos pela Prefeitura. O primeiro ocorreu em janeiro de 2016 e beneficiou o terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, no Curuzu, bairro da Liberdade. Dentre as justificativas para o tombamento do terreiro estiveram os problemas com a especulação imobiliária, invasão de com derrubada de árvores, dificuldade de manutenção das instalações físicas e depredação do terreno da fonte.
O critério raridade do culto também foi levado em consideração, já que o Vodun Zô é o único da nação Jêje Sawalu, mantendo originais os ritos dessa linhagem, bem como o dialeto africano Ewe-Fon preservado nas expressões, cânticos, rezas e no cotidiano dessa comunidade.
O segundo tombamento foi realizado em março deste ano no Monumento ao Cristo Nosso Senhor (Cristo Salvador) e entorno, localizado no trecho de orla Barra/Ondina. Um dos motivos para a ação foi o fato de os monumentos públicos carregarem em si a simbologia de pertencimento, valores e memória de determinado lugar ou grupo social. A estátua foi indicada por traduzir-se numa obra de caráter religioso, resguardando valores da cultura local, além de simbolismos como bênçãos à cidade, fé cristã, proteção e paz.
Outro argumento de significativa relevância está na proximidade do centenário de existência da obra – a acontecer em 2018 -, o que reserva-lhe mérito histórico e artístico. O local também passará por requalificação promovida pela Prefeitura em uma área de aproximadamente 500 m², com investimento previsto de R$1,2 milhão.

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