Por Filipe Domingues — Cidade do Vaticano
Durante a missa de abertura do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia neste domingo (6), o Papa Francisco disse que o fogo que “devastou recentemente a Amazônia” foi “ateado por interesses que destroem”. Usando a metáfora do fogo em todo o seu sermão, ele defendeu que a região amazônica precisa do “fogo do amor de Deus”, que não é devorador, mas “aquece e dá vida”.
Por meio desse símbolo do fogo, Francisco faz referência à passagem bíblica do Antigo Testamento em que o profeta Moisés conversa com Deus por meio de um arbusto ardente. Assim, o Papa disse que a Amazônia precisa desse tipo de fogo, que ele chama de “fogo da missão”, e não do fogo “que vem do mundo” e “devora povos e culturas.”
Como já é esperado para seus discursos no Vaticano, Francisco não citou diretamente nenhum país específico, mas o tema das queimadas – que aumentaram neste ano na Amazônia em relação ao ano passado – foi mencionado.
“Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos”, declarou o Papa. “O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é do Evangelho. O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os lucros.”
Segundo Francisco, “o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”.
Reacender o fogo
O Papa também mencionou um texto escrito por São Paulo, em que usa o verbo “reacender” para falar dos “dons recebidos de Deus”. Falando principalmente para os bispos que participarão do Sínodo e outras pessoas presentes na Basílica de São Pedro, Francisco observou que “o fogo não se alimenta sozinho, morre se não for mantido vivo, e se apaga se as cinzas o cobrirem”.
O que pode sufocar a ação da Igreja na Amazônia, segundo ele, são “as cinzas dos medos e a preocupação de defender o status quo”.
Francisco alertou que é papel da Igreja “caminhar junto” com o povo da Amazônia que “carrega cruzes pesadas”. Para ele, é preciso ter prudência, mas não medo ou indecisão. “Reacender o dom no fogo do Espírito é o oposto de deixar as coisas correrem sem se fazer nada”, comentou.
Mártires da Amazônia
No fim da pregação, o Papa recordou também as pessoas que perderam a vida na Amazônia por “testemunhar o Evangelho”. Citando o cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes, que é o relator-geral do Sínodo sobre a Amazônia, disse que é preciso ir aos cemitérios das pequenas cidades visitar o túmulo dos missionários.
Francisco brincou que Dom Cládio foi “esperto” por pedir ao Papa que esses mártires sejam declarados santos pela Igreja. Um dos casos mais famosos em todo o mundo é o da Irmã Dorothy Stang, religiosa norte-americana assassinada com seis tiros em 2005, aos 73 anos, por enfrentar poderes paralelos na região de Anapú, no Pará.
Durante a oração do Angelus, que reza todos os domingos na Praça de São Pedro, o Papa Francisco pediu aos fiéis que rezem pelo bom andamento do Sínodo sobre a Amazônia.
Sínodo da Amazônia
O encontro de bispos da Igreja Católica que neste ano vai discutir a floresta, começou neste domingo e vai até o dia 27 de outubro, no Vaticano. No encontro serão discutidos temas ambientais, sociais e próprios da Igreja Católica presente nos nove países que compreendem territórios da região amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela e Suriname.
Participam bispos, padres e freiras dessa região, além de estudiosos, pessoas ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e membros dos escritórios do Vaticano (a Cúria Romana).
Como a maior parte da floresta está no Brasil, o sínodo terá muitos participantes brasileiros. O mais importante deles é o relator-geral, responsável pela redação dos documentos, o cardeal Dom Claudio Hummes.
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O que é o Sínodo?
A palavra “sínodo” vem do grego “sýnodos” e quer dizer “reunião”. Na Igreja Católica, o sínodo pode ser qualquer reunião entre os praticantes desta religião.
Em 1965, Paulo VI criou o Sínodo dos Bispos. A ideia é reunir Papa e Bispos para discutir temas importantes que podem ser ou não religiosos. Antes da Amazônia, os temas escolhidos haviam sido jovens e família, por exemplo.
Por que o sínodo vai falar da Amazônia?
O sínodo deste ano foi convocado em outubro de 2017 pelo Papa Francisco. A ideia, segundo o Vaticano, é debater as dificuldades de a Igreja atender os povos da região, especialmente os indígenas.
De acordo com a Igreja Católica, faltam padres, as distâncias entre as comunidades são longas e a carência de serviços públicos acaba fazendo com que a Igreja assuma papéis de assistência social.
O que será discutido no Sínodo da Amazônia?
O documento que orienta a reunião tem duras críticas ao atual modelo de desenvolvimento da Amazônia. Entre os pontos a serem debatidos estão:
a complexa situação das comunidades indígenas e ribeirinhas, em especial os povos isolados;
a exploração internacional dos recursos naturais da Amazônia;
a violência, o narcotráfico e a exploração sexual dos povos locais;
o extrativismo ilegal e/ou insustentável;
o desmatamento, o acesso à água limpa e ameaças à biodiversidade;
o aquecimento global e possíveis danos irreversíveis na Amazônia;
a conivência de governos com projetos econômicos que prejudicam o meio ambiente.
Por que o Papa Francisco escolheu falar da Amazônia?
O Papa Francisco é o Papa que mais se dedicou à pauta ambiental. A encíclica Laudato si’ (Louvado seja) foi um dos documentos mais importantes que já escreveu e teve impacto, por exemplo, nas discussões que levaram ao Acordo de Paris.
Há quatro anos, Francisco lançou uma encíclica repleta de críticas ao modelo de desenvolvimento que destrói o meio ambiente sem compromisso com a inclusão social.
Para o Papa Francisco, os problemas sociais e ambientais não podem ser analisados separadamente.
Terão outros temas além da Amazônia?
Além da Amazônia, serão discutidos outros temas, como a liderança das mulheres nas comunidades cristãs, a falta de padres, o diálogo com evangélicos e outros grupos religiosos.
Quais as críticas ao Sínodo?
Autoridades do governo federal brasileiro já manifestaram preocupações sobre este Sínodo. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, admitiu que a interferência de estrangeiros nas questões amazônicas incomoda a administração do presidente Jair Bolsonaro.
Em nota publicada em fevereiro, em resposta ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o GSI admitiu “preocupação funcional com alguns pontos da pauta” do sínodo sobre a Amazônia.
“Parte dos temas do referido evento tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional”, diz a nota. O GSI negou, no entanto, que a Igreja seja alvo de investigações da inteligência.
Quais serão as conclusões do Sínodo?
A função do Sínodo dos Bispos não é propor soluções técnicas. A ideia é apresentar princípios para que os envolvidos busquem as soluções.
Segundo Dom Cláudio Hummes, o principal “alvo” das propostas do Sínodo são os próprios participantes, líderes da Igreja na região amazônica.
“Não vamos dizer ‘façam vocês’, mas sim o que ‘nós devemos fazer’ como Igreja missionária e aberta ao diálogo”, afirma.
De acordo com Dom Cláudio, quando as outras partes envolvidas nos temas amazônicos não estiverem abertas ao diálogo (governos e empresas internacionais, por exemplo), é função da Igreja “denunciar os problemas e propor novos caminhos”.