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Por Thiago Reis, G1

O número de adoções internacionais realizadas em 2018 é o menor dos últimos 20 anos no Brasil. Foram concretizadas no ano passado 67 adoções de crianças por pretendentes de fora do país. É o que mostram dados obtidos pelo G1.

Uma das explicações para a queda é o crescente número de adoções realizadas dentro do território nacional. Houve 2.184 adoções por meio do Cadastro Nacional no ano passado, segundo dados da Corregedoria Nacional de Justiça – um ligeiro aumento em relação ao ano anterior. Ou seja, uma criança é adotada a cada quatro horas, em média, hoje no Brasil.

“As pessoas no país têm começado a adotar crianças com doença ou deficiência. Também estão mais abertas a grupos de irmãos que antes. Há uma mudança de mentalidade progressiva”, afirma Paula Leal, responsável pelo núcleo de adoção internacional do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Isso tem tido um impacto.”

“Mas também existem os efeitos da crise mundial de 2008. Entre os quatro principais parceiros que têm entidades credenciadas para adoção (EUA, França, Espanha e Itália), três ainda têm uma taxa de desemprego superior à de 2008. Ou seja, não houve uma recuperação. E a adoção internacional é um processo muito caro”, afirma Paula, que é especialista em políticas públicas e gestão governamental.

Segundo ela, o Cadastro Nacional de Adoção – que passa por uma reformulação – também não tem ajudado a mudar essa realidade. Há três anos, os estrangeiros passaram a ser incluídos no cadastro. Ainda assim, existem atualmente apenas 287 pretendentes de fora do país cadastrados.

“Ainda há problemas. O novo cadastro está em teste. E o que os servidores dizem é que, por mais que haja melhora na ferramenta, falta pessoal para alimentá-la. A maioria das comissões judiciárias de adoção internacional ainda não consegue utilizar efetivamente o cadastro.”

Uma das alterações previstas no novo cadastro é a inclusão de fotos e vídeos das crianças, além do histórico de acolhimento. Outra novidade é a implantação de um sistema que permite uma varredura automática diária entre perfis de crianças e pretendentes informando ao juiz quase que em tempo real sobre um possível “match”.

Abismo
Há hoje 9.418 crianças e adolescentes aptos à adoção – número que cresce ano a ano. E por que a conta não fecha se, na outra ponta, existem 45.758 pretendentes nacionais cadastrados?

O perfil dos abrigados e o pretendido pelos futuros pais ajuda a responder a questão:

Quase metade dos pretendentes do país (44%) não aceita uma criança negra
A maioria (61%) só aceita crianças e adolescentes sem qualquer doença
E a maior parte (62%) não topa levar para casa irmãos

E os dados do cadastro revelam que:

Quase 1/5 das crianças é negra
Mais de 20% têm alguma doença detectada
E mais da metade (56%) possui irmãos
Um dos fatores que mais dificultam a aproximação, no entanto, é a idade.

Enquanto 64% das crianças têm mais de 7 anos, por exemplo, menos de 10% dos pretendentes nacionais se mostram abertos a adotar alguém acima dessa idade. Já entre os pretendentes estrangeiros, 83% se dizem dispostos a adotar uma criança maior de 7 anos.

“A adoção internacional precisa ser uma alternativa”, afirma Paula Leal. “O problema é que falta conscientização. Hoje, só há visibilidade quando ocorre algum episódio negativo. Por isso, é preciso que os operadores do direito e os grupos de apoio mostrem que a adoção internacional hoje é muito segura. A gente faz um acompanhamento de todas as crianças adotadas fora do país por pelo menos dois anos. Na adoção nacional, por exemplo, não há essa obrigação.”

Adoção tardia
Como a adoção internacional ainda não tem se tornado a solução para as crianças mais velhas e adolescentes nos abrigos, algumas iniciativas têm tentado suprir esse papel no país.

No último prêmio Innovare, que reconhece iniciativas que contribuem para modernizar a Justiça, uma página criada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que incentiva a adoção de crianças maiores de 7 anos foi a grande vencedora em uma das categorias. O mote: “Adote um boa-noite – ele faria toda a diferença na vida de mais de 5 mil crianças acima dos 7 anos”.

No Rio Grande do Sul, o projeto Adoção Tardia é um outro exemplo. A designer Simone Uriartt, quando ainda estudava na UFGRS, decidiu criar um canal no YouTube para contar as histórias de famílias que adotaram crianças mais velhas, incentivando outros pais a fazerem o mesmo.

Com o tempo, percebeu que só isso não era suficiente. “Em 2015, a gente fez a primeira campanha de adoção para uma adolescente. E isso entra numa seara de grande discussão. O quanto vale expor a imagem de um adolescente que está esperando uma adoção nas redes sociais? Qual o ganho? Qual o risco?”.

A resposta veio rápido. Taiane, de 15 anos, foi adotada por uma família menos de três meses depois e ganhou um novo lar por causa do vídeo.

O pai, o servidor público federal Sandro Roberto de Oliveira, lembra do momento em que ele e a mulher, Geli, assistiram ao vídeo. “A gente estava na nossa casa de praia, no norte de Santa Catarina, e quando viu, apesar de ter colocado uma idade-limite de 7 anos no perfil da criança, ficou muito interessado na Taiane. A gente fez contato com a Casa Lar de lá mesmo. Eles pediram para a gente mandar uma cartinha e fotos. Como não tinha internet na casa, a gente correu para uma lan house para enviar”, conta.

“A gente era um casal sem filhos. E desde o namoro a gente sempre teve a intenção de adotar. Assim que a gente casou, entrou na fila. No começo, o perfil era abrangente, mas com pouca idade. Participando do grupo de apoio, no entanto, a gente desmistificou isso da idade. E ampliou o leque”, diz.

“Quando a gente fez o contato com a Casa Lar, já havia um casal em aproximação. A gente ficou triste no começo, mas se era pro bem dela, tudo bem”, conta. “Um mês depois, no entanto, a gente recebeu uma ligação perguntando se ainda havia interesse e se a gente podia passar o feriado de carnaval com ela.”

Sandro diz que os dois “largaram tudo” em Blumenau (SC) e passaram dias “fantásticos” com Taiane em Farroupilha (RS). “Como havia uma rejeição recente, ela estava bem tímida e desconfiada nas primeiras horas. Mas a gente logo disse: ‘Nós viemos para lhe conhecer e você só não volta com a gente se não quiser. A gente quer você para sempre’.”

Duas semanas depois, Sandro e Geli voltaram à cidade gaúcha, participaram de uma audiência e Taiane foi com os pais para sua nova casa. “Houve, claro, os desafios da adolescência. Mas ela é uma menina de ouro. Já se formou, faz faculdade de enfermagem.”

Sandro dá um recado para os pretendentes: “Quando a criança é mais velha, ela tem muita vontade de ser adotada. E tem muito carinho e muito amor para dar. Os pais que estão na fila e têm resistência repensem. Vale a pena”.

Crianças esquecidas
“Desde então, a gente já fez mais três vídeos. Um foi lançado na semana passada”, diz Simone Uriartt. “Geralmente são casos em que as equipes técnicas das comarcas já tentaram de todas as formas uma união e não deu certo. Crianças e adolescentes que estão há 10, 15 anos no abrigo e querem muito ser adotados. Essas equipes, então, nos chamam. Nem sempre dá certo, mas a gente não desiste.”

“As crianças ficam nos abrigos esquecidas. Algumas delas nem entram no cadastro. E quando chega a maioridade não têm para onde ir, não possuem qualquer vínculo familiar. Esse é o cenário”, conta Simone, com propriedade. Ela mesmo foi adotada com 3 anos de idade, mas seu irmão mais velho – que tomava conta dela e tinha quase 10 na época – não teve o mesmo destino e ficou no abrigo.

“É preciso falar mais sobre o tema da adoção. E olhar para toda a cadeia de assistência social. Além disso, é necessário unir forças. Hoje, tem estado que tem seu próprio aplicativo, outro que tem seu site. Não há sentido, se há um cadastro nacional, haver esses esforços divididos.”

G1

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