Para todas as coisas que acontecem na vida e no mundo há uma causa, principalmente para as mudanças. Atribuindo a causa de sua decisão à internet, uma célebre e ousada senhorinha americana anunciou essa semana que vai mudar o comportamento que sempre lhe caracterizou e do qual sobreviveu esse tempo todo: vai parar de tirar fotos nua e vai vestir a roupa. Ninguém tem mais interesse em mulher nua impressa em papel depois que a internet passou a proporcionar a qualquer um, e de graça, terabytes de genitálias femininas, na maioria das vezes em ação, com movimentos que fazem as fotos de nu frontal da Playboy parecerem literalmente um catecismo cristão pudico liberado no jardim de infância. A nudez da Playboy perdeu a disputa para o pornô, o soft pornô e para as xereselfies na web. Até em listas de redes sociais de família, caem, aqui e acolá, geralmente por engano, vídeos pornôs que fazem perversos corarem. Nesses casos, todo mundo finge que não vê, claro.
Nascida em 1953, com o então ícone mor do fetiche sexual na capa, Marilyn Monroe, a Playboy americana não vai mais publicar fotos de mulheres nuas. Marcou até data para vestir a roupa: março de 2016. A primeira reação dos consumidores clássicos da revista deve ter sido equivalente à de um amante de churrasco sendo informado de que as churrascarias não mais oferecerão carnes em seus cardápios. Sim, a comparação pode ser grosseira e parecer besuntada de machismo. Mas, vamos combinar: a Playboy nunca teve o feminismo como parceiro. Aliás, sempre foi simultaneamente execrada pelos conservadores, por expor as vergonhas das mulheres, e odiada pelas feministas, para quem a publicação sempre foi o suprassumo da objetificação das mulheres. Uma vitrine típica do mercado da carne feminina.
Photoshop
Por enquanto, a edição brasileira da revista, que completou 40 anos em 2015, ainda não sabe o que fará com as genitálias das mulheres a partir da decisão da matriarca americana. Por lá já se anunciou que, diante do desgaste da nudez, domesticada à exaustão na web, a aposta para a sobrevivência serão os ensaios fotográficos sensuais, com as mulheres fazendo mais o tipo pinups contemporâneas em vez de Evas datadas. Se assim for, as fotografias da Playboy serão uma coisa mais próxima do sexy style que marca o cobiçado Calendário Pirelli, um produto editorial do qual muita gente fala, mas que pouca gente conhece.
Se a versão brasileira seguir os passos da homônima americana, algumas perguntas gritam por respostas: onde as ex-BBBs irão faturar um plus financeiro ao sair da “Casa” e onde esticarão um tiquinho mais os 15 minutos de fama? Onde o estilo do unhão da mão de formato quadrado e esmalte à francesinha vai continuar influenciando pedidos às manicures? Será a crise da tonalidade renda dos esmaltes. E, mais importante: onde os especialistas em photoshop de vagina encontrarão emprego?
Podem procurar: a maioria das moças que passaram pelas páginas da revista não passou incólume pela ação dos editores de imagem de genitálias. Estes muitas vezes produziram imagens que remetem a aberrações anatômicas, como se a natureza tivesse gerado mulheres sem fendas em recônditos do corpo onde elas são normalíssimas e, claro, biologicamente e sexualmente necessárias. Aliás, como pode a neoimprensa nunca ter inventado o posto de crítico de photoshop de genitália feminina, diante das borragens genitais tantas publicadas na Playboy?
* Malu Fontes é jornalista e professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba
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