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Salvador possui seis comunidades remanescentes de quilombos oficialmente reconhecidas e certificadas pela União, através da Fundação Cultural Palmares. Cinco delas estão situadas em Ilha de Maré (Praia Grande, Martelo, Ponta Grossa, Porto dos Cavalos e Bananeiras) e uma no bairro de Paripe (Alto do Tororó). Nos últimos oito anos, a Prefeitura destinou uma série de investimentos para promover ações inclusivas e de reparação, com intuito de proporcionar mais desenvolvimento social e qualidade de vida às pessoas que vivem nessas áreas.

Em Alto do Tororó, há dois anos, a Prefeitura reformou 150 casas através do programa Morar Melhor. A iniciativa realiza intervenções nas residências precárias com a requalificação das unidades habitacionais, recuperando componentes estéticos, como troca de telhado, esquadrias, reboco e pintura, e melhorando as condições sanitárias, com substituição de vasos sanitários e pias. Em Ilha de Maré, o programa está sendo executado em 250 imóveis nas comunidades de Bananeiras, Santana, Praia Grande e Martelo.

O Morar Melhor prioriza localidades conforme critérios sociais, tais como precariedade do imóvel, predominância de casas com alvenaria sem revestimento, número de pessoas abaixo da linha de pobreza, grande densidade habitacional e maior quantidade de mulheres na chefia familiar.

Na área da educação, a administração municipal investiu na requalificação e melhorias estruturais de diversas unidades de ensino em Ilha de Maré. Na Escola Municipal Claudemira Santos Lima, por exemplo, as instalações foram ampliadas com a construção de mais três salas de aula, aumentando a oferta de vagas para 60 alunos.

Ação similar aconteceu na Escola Municipal da Bananeira, que também teve estrutura ampliada com a construção de duas salas de aula, o que permitiu a expansão do atendimento no segmento de Educação Infantil. Na Escola Municipal de Santana, por sua vez, foi implantado uma área coberta para recreação dos alunos, com quiosque. E a Escola Municipal de Ilha de Maré ganhou muro de contenção em pedra e alvenaria para facilitar o acesso dos alunos e transeuntes.

Por meio do programa Iluminando Nosso Bairro, Martello e Ponta Grossa tiveram a rede de iluminação modernizada, ganhando um total de 55 pontos de LED. A ação trouxe mais sensação de segurança aos moradores, além de melhorar a visibilidade dos pedestres à noite.

Residência – Com o intuito de oferecer moradia a estudantes universitários quilombolas de Ilha de Maré, que cursam o ensino superior na parte continental da capital baiana, a Prefeitura criou a Casa dos Estudantes Quilombolas. Inaugurada em 2018, a estrutura atualmente beneficia 21 alunos e fica situada na Rua Doutor Otaviano Pimenta, no Matatu de Brotas. Fruto do Programa de Ações Afirmativas para a Comunidade Quilombola em Salvador, a casa assegura condições básicas de moradia. Bem amplo e confortável, o imóvel possui sala de estudo, área de lazer, sete quartos, cinco banheiros e duas copas, além de boa localização – próxima a pontos de ônibus e a estação do metrô.

A casa tem sido de suma importância para alojar os jovens ao longo de todo o percurso deles no ensino superior, ofertando um lugar para morar e se alimentar com segurança e qualidade. Antes de o imóvel funcionar, muitos estudantes ficavam impossibilitados de frequentar instituições de ensino superior localizadas na parte continental de Salvador, por conta da distância e travessia pelo mar, condições financeiras para deslocamento ou para alugar um imóvel.

Ancestralidade – Comunidades remanescentes de quilombo são grupos com trajetória histórica própria, cuja origem se refere a diferentes situações. Algumas dessas áreas foram ocupadas no processo de resistência ao sistema escravista no período colonial. Mas também há territórios que surgiram no período pós-abolição da escravatura, frutos de doações, compras ou trocas de terras. “Falar dos quilombos é expor de forma intencional a história de homens e mulheres que, ao longo dos anos, constituíram-se enquanto uma comunidade que elaborou estratégias de sobrevivência, em meio a um mundo extremamente hostil e notadamente racista”, explica o professor e pesquisador Carlos Eduardo Santana, pós-doutorando em História, Educação e Interculturalidade pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Santana acrescenta que, segundo relatos, Alto do Tororó e Ilha de Maré contavam com mão de obra escrava, tanto indígena quanto africana, nos engenhos, moinhos e fazendas que existiam nessas localidades. “Para os moradores das comunidades de Bananeiras, Porto dos Cavalos, Martelo, Ponta Grossa e Praia Grande, a resistência africana ocorreu através da fuga dos negros escravizados do continente para a ilha. Essa fuga é tratada como uma épica aventura de travessia a nado em condições totalmente adversas. Em Ilha de Maré, a presença africana contou com o apoio de índios que ainda habitavam por aquelas áreas, caracterizando, portanto, alianças regidas pela sobrevivência de ambas as culturas, o que se pode perceber nos nomes presentes”.

O educador reforça que, nos dias atuais, a Ilha de Maré é uma das regiões da cidade com maior concentração de população negra – 92,99% dos moradores da ilha declararam ter pele “preta” ou “parda”, conforme o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na capital baiana, em 2010. “Já o Alto do Tororó mantém o registro quanto à presença indígena. Em seu mito de fundação, a presença negra se deu a partir da fuga dos engenhos e fazendas próximas. Por se tratar de um local alto, havia a possibilidade de antever possíveis tentativas de captura ou destruição do quilombo por parte dos senhores de engenho e fazendeiros”.

Memórias – Com orgulho no peito, Maria de Lourdes Silva faz questão de dizer que nasceu e cresceu no Alto do Tororó, onde mora com um filho e o marido. “Minha vó foi uma ex-escravizada e minha mãe é griô na comunidade. Costumo falar que este é o meu lugar. Quem chega de fora não quer ir embora. Muitos até perguntam se tem casa para alugar aqui”, destaca, reforçando a vista para o mar como um dos grandes atrativos da região. Lourdes acrescenta que a transformação urbana nas últimas décadas extinguiu todo o ambiente rural da comunidade e que crescimento populacional moldou uma nova realidade. “Agora estamos chamando aqui de ‘quilombo do prediozinho’ porque muitas casas estão sendo ampliadas verticalmente para abrigar mais de uma família”.

Mesmo assim, as raízes ancestrais do Alto do Tororó ainda estão bem vivas no cotidiano dos moradores. O resgate de manifestações culturais que sofriam risco de extinção, como a festa do Bumba-meu-boi, comemorada no local no Dia de Reis (6 de janeiro), exemplifica bem isso. Aliás, resguardar mitos também faz parte da cultura e peculiaridades desse remanescente de quilombo. “Uma das nossas histórias de conhecimento popular é que havia um lobisomem que andava pelo quilombo. Já meu tio Manoel, que era um rezador conhecido como Preto Velho, falava sobre a existência de um cavaleiro montado em um cavalo branco, em noite de lua cheia. Havia ainda um popular curandeiro da comunidade, conhecido como Zé Loba, que olhava para o mar e apontava aos pescadores os pontos exatos onde havia peixes”, narra Lourdes.

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