A proposta de emenda à Constituição (PEC 241), conhecida como PEC do Teto dos Gastos Públicos, será votada esta semana. Considerado pelo governo Michel Temer como o primeiro passo para superar a crise econômica e financeira do país, o texto limita por 20 anos os gastos federais ao orçamento do ano anterior corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Apenas para 2017 o limite orçamentário das despesas primárias – aquelas que excluem o pagamento de juros da dívida – será o total gasto em 2016 corrigido por 7,2%. A regra vale tanto para gastos do Executivo quanto para despesas do Senado, Câmara, Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União (MPU), Conselho do MPU, Defensoria Pública, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Conselho Nacional de Justiça e justiças do Trabalho, Federal, Militar, Eleitoral e do Distrito Federal e Territo rios.
Diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, Ricardo Volpe afirma que o único ponto em que todo o impasse é sobre a visão do papel do Estado. “Hoje estamos com o maior histórico de despesa publica, com 20% do PIB. A gente quer que continue crescendo ou quer que diminua ou estabilize?”, questionou.
Segundo Volpe, mantida a atual trajetória o país chegará ao ponto de desconfiança do ponto de vista do mercado, que pode deixar de comprar títulos públicos, usado para rolagem da dívida, ou vai querer comprar com valor muito baixo. “O que significa que terá de aumentar a taxa de juros. Não conseguindo financiar suas despesas, a União deixará de pagar mesmo e terá de emitir moedas para pagar seus compromissos, a inflação vai subir e os salários serão congelados”, projetou.
Ricardo Volpe, que ajudou a elaborar a proposta, assegura que o ajuste fiscal é inevitável, mas é uma escolha da sociedade. “Ou ocorre via inflação, ou com ajuste abrupto cortando várias despesas de imediato ou ainda com o ajuste gradual, que é esse da PEC. Você vai crescer só a inflação e ao longo do tempo, como a economia vai crescer, aquela despesa estabilizada consegue reduzir o tamanho do Estado e volta a economizar dinheiro. É uma discussão do tamanho do Estado”, disse.
A saída, segundo o técnico legislativo, será a busca por maior eficiência dos gastos. “O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. O Estado terá de buscar eficiência. Quer contratar mais servidores? Vai ter de tirar de outro lugar. Quer comprar um carro? Reduz outros gastos”, acrescentou. Para Volpe, a PEC dá uma saída gradual para a atual situação do país como fizeram economias fortes como Holanda, Noruega e Canadá. “A gente criou a ilusão, pós-Constituição de 1988, que o Estado tem condições de dar tudo para a sociedade. Agora a gente vai ter que priorizar. Se educação e saúde são prioridades, vamos tirar de outro lugar. Todas as
áreas têm um teto e saúde e educação têm um piso, um mínimo. Quer gastar mais com isto? Basta gastar menos em outros.”
Coerência
Professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli alerta que não é possível supor que o Brasil vá continuar tendo quedas do PIB ou que a economia não vá reagir.
“Vamos ter crescimento real e continuar limitando a inflação? Dentro de uma filosofia de redução do tamanho do Estado, a PEC tem até uma certa coerência, mas a questão é saber se a gente está disposto a retirar mais e mais o Estado da atividade econômica e principalmente da social”, afirmou.
Para Roberto Piscitelli, a proposta reduz a participação do Estado e pode engessar a economia. “As condições econômicas são muito dinâmicas ainda mais em países emergentes como o Brasil em uma fase tão conturbada da economia mundial de tantas incertezas e mudanças”.
Gastos sociais
Diferente de outras áreas, saúde e educação tiveram o limite traçado pelo mínimo a ser gasto e não o máximo das despesas. Pelo texto, o piso para os dois setores passa a obedecer o limite de despesas ligado à inflação a partir de 2018. Em 2017, o parecer prevê, no caso da saúde, percentual de 15% da receita líquida, que, segundo a Emenda Constitucional 86, só valeria em 2020. No caso da educação, o piso constitucional foi mantido em 18% da arrecadação de impostos.
Opositores do governo Temer afirmam que a medida irá congelar investimentos sociais. Piscitelli que compartilha desse posicionamento afirma que as perdas serão inevitáveis para estes setores, já que as novas regras vão criar uma “disputa” entre as áreas. “Se você tem um teto global baseado na inflação, se você precisar aumentar uma despesa mais que a inflação você vai ter que sacrificar outras áreas em um momento que já é de restrição, de contenção de recessão em que as despesas de alguma forma já estão a caindo e a arrecadação está despencando em alguns setores serão necessariamente muito sacrificados”, explicou.
Entretanto, Ricardo Volpe, retoma o discurso da eficiência de gastos. “O Estado gastou na educação uma montanha de dinheiro a mais. Gastou 4% a mais que o PIB nos últimos anos e o Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] não sai do lugar. Nem sempre dar dinheiro a mais resolve o problema. Você tem de buscar qualidade, profissionalismo.”
Segundo ele, um levantamento dos últimos anos mostra que o mínimo de gastos em saúde foi teto de despesas na área de educação. O único ano de flexibilização com mais gastos é 2016, quando o Congresso colocou R$ 10 bilhões. “Quando o Congresso coloca mais dinheiro e o governo entende que aquilo é uma prioridade vai gastar mais. Está gastando mais de R$ 10 bi que o mínimo. O gasto de ser a mais em uma área ou outra depende de decisão política. Não adianta colocar mais no orçamento. Se não tiver vontade politica, não vai se gastar. Vincular recursos é uma falsa ilusão de que tem mais recurso porque o contingencia,, congela a área e tira ações livres de outras áreas.”
Concursos
Ricardo Volpe afirmou também que, pela PEC, Judiciário e Legislativo têm “gordura para queimar” e estão em situação confortável, inclusive para promoverem novas contratações por concurso público. A exceção seriam os “mais gastadores”, como a Justiça do Trabalho. Já o Executivo ficaria dependendo de outras medidas de ajuste fiscal para se manter com a atual estrutura.
“O Executivo, sem a reforma da Previdência, vai ter de fechar uns quatro ministérios. O Estado vai ter de escolher pagar só aposentados, servidores e o resto fechar as portas.”
Conforme Roberto Piscitelli, nos próximos dois anos o setor ficará parado. “O governo quer reduzir o número de servidores. Há ainda um apelo da mídia que propaga que temos um número excessivo de servidores, quando, na realidade, temos bem menos que na Europa, por exemplo. Piscitelli alerta que desde 2012 os aumentos salariais no serviço público ficaram abaixo da inflação.