De nome esquisito e capacidade de, literalmente, derrubar uma pessoa, a febre chikungunya tem feito dezenas de doentes no Ceará a cada semana. A doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo da dengue e do vírus Zika, e chega a ser mais debilitante que a duas enfermidades. O avanço da doença acionou o alerta no estado.
“Começou com uma febre muito alta, de repente, e com as dores nas juntas: pontas dos dedos, ombros, joelhos, pés. É uma dor insuportável, a ponto de eu não conseguir me levantar e me mover nos primeiros dias. Eu não sentia fome nem sede e fiquei muito inchada. Havia alguns casos no meu bairro e eu já sabia como a doença evoluía”, conta a jornalista Talita Sales, 31, que teve a doença há um mês.
No último boletim epidemiológico das arboviroses (dengue, Zika e chikungunya), a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) contabilizou 13,3 mil casos de chikungunya confirmados até a 19ª semana de 2017 e uma taxa de incidência de 465 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2016, a Sesa classificou o cenário da doença como epidêmico: 31,4 mil casos foram confirmados em 139 dos 184 municípios cearenses.
Características
Embora guarde semelhanças com a dengue e a zika, a chikungunya tem características que podem explicar a rápida disseminação do vírus, segundo a coordenadora de Promoção e Proteção à Saúde da Sesa, Daniele Queiroz. Quando a pessoa é picada pelo Aedes aegypti, os sintomas começam de forma mais precoce (sobretudo febre alta e dores nas articulações) e o vírus permanece no doente por cerca de 10 dias. Se ela for picada várias vezes nesse período, os mosquitos disseminam a doença com mais rapidez.
O vírus da chikungunya se multiplica no mosquito em apenas 2 dias (o vírus da dengue leva de 8 a 12 dias para passar por esse processo; só após esse período é que o mosquito começa a transmiti-lo). Estima-se ainda que, de cada 10 pessoas picadas pelo Aedes aegypti, pelo menos 7 desenvolvam a chikungunya. “Isso dá a característica de epidemia explosiva”, explica a coordenadora.
Daniele Queiroz também aponta como possível explicação para o avanço da doença no estado o fato de boa parte dos municípios sofrerem com a falta d’água nos períodos de seca. “Se não chove, há o armazenamento de água de forma indevida que pode caracterizar foco do mosquito. Se chove, para garantir o abastecimento da família, também pode haver esse armazenamento indevido, além do acúmulo em recipientes e locais expostos à chuva.”
Ela também aponta a mudança de comando nas prefeituras este ano, quando as ações de combate ao Aedes aegypti acabaram sendo paralisadas durante a transição dos ex-prefeitos para os eleitos no ano passado. O período entre novembro e dezembro é quando começam as surgir as arboviroses.
“Metade das cidades já está com índice de incidência de chikungunya acima de 100 casos para 100 mil habitantes, o que já é considerado estado de alerta”, explica Daniele.
Das 184 cidades cearenses, 130 receberam cartas de alerta este ano. Entre as atividades desenvolvidas pela Sesa de combate estão: colocação de telas em caixas d’água e outros recipientes que armazenem água; o uso do fumacê, veículo que pulveriza um tipo de substância que mata os mosquitos adultos; e visitas compulsórias a residências e terrenos fechados ou abandonados (ocorrem quando o proprietário do imóvel não responde às notificações dos agentes de endemias).
“Se a comunidade não se ver como parte importante do processo, nunca vamos conseguir controlar o mosquito. Grande parte dos focos estão nas residências e nos locais de trabalho”, ressalta.
Na última semana, a Prefeitura de Fortaleza lançou campanha educativa para intensificar o engajamento da população. Foram liberados ainda R$ 500 mil para o desenvolvimento de pesquisas sobre a chikungunya por um grupo de especialistas locais.
“Este ano, temos a intenção de informar mais ainda as pessoas. A chikungunya é uma doença nova que tem assustado, principalmente por conta das dores”, diz a secretária da Saúde de Fortaleza, Joana Maciel,
A capital cearense responde por 8.073 casos de chikungunya confirmados no estado. Dentro do país, conforme dados do Ministério da Saúde, Fortaleza aparece em primeiro lugar no ranking de incidência entre cinco cidades com mais de 1 milhão de habitantes. O acumulado de janeiro a abril soma 560 casos por 100 mil habitantes.
A campanha prevê incentivar escolas e empresas a formarem brigadas de combate aos focos do Aedes aegypti.“É preciso atentar para os criadouros e para o ciclo de vida do mosquito, que é de sete dias [entre a colocação dos ovos em uma superfície de água e o desenvolvimento do mosquito adulto]. Por isso, é importante que as pessoas procurem nas suas casas focos a cada sete dias.”
Sintomas podem durar meses
Um mês depois de ter a febre chikungunya, a jornalista Talita Sales ainda convive com dores. “Todos os dias, ao acordar, eu sinto muita dor nas mãos, a ponto de não conseguir fechar o botão da blusa, e meus pés ainda estão muito inchados.”
Já a empresária Maria José Carvalho, 60 anos, teve a doença há um ano e ainda sente dores nas articulações. “Na época, fiz um tratamento intenso. Melhorei, comecei a andar e a pegar as coisas com as mãos, que estavam rígidas. Após um ano da doença, continuo em tratamento com um reumatologista e tem dias que ainda sinto dores nas articulações.”
Alguns casos podem gerar sintomas crônicos, sobretudo dores. Nestas situações, se após três meses ainda houver dor, é recomendado buscar novamente um médico para verificar a necessidade de tratamento.
Crianças, idosos e portadores de doenças preexistentes são considerados mais vulneráveis ao vírus. Nestes casos, a recomendação é de que a pessoa, independentemente da intensidade das dores, procure um posto de saúde ou outro local de atendimento médico.
“Se o paciente é hipertenso, ele vai ter picos hipertensivos. Se é diabético, vai registrar alteração de glicemia repentina. A chikungunya descompensa qualquer condição de base e altera o perfil de adoecimento e morte”, explica a coordenadora Daniele Queiroz.
Segundo a coordenadora, a literatura médica diz que, embora incapacitante, a doença, em geral, não leva à mortes. No entanto, em 2016, segundo o Ministério da Saúde, o Ceará registrou 26 óbitos. Neste ano, cinco pessoas morreram em janeiro por complicações da doença.
No Ceará, foram registrados sintomas atípicos, como alterações de memória e a perda de força nos membros inferiores.