Por Itana Alencar, G1 BA
Transformar a dor em luta: foi isso o que fez uma baiana moradora do subúrbio ferroviário de Salvador. Depois de ser abusada e agredida na adolescência pelo irmão mais velho, a agente de saúde Marizete Pires reuniu forças para evitar que outras mulheres e crianças passem pelo mesmo que ela.
Nos casos em que não consegue evitar a violência, Marizete acolhe a vítima e ajuda a denunciar o agressor à polícia. Parte do trabalho é feito pelo WhatsApp. Hoje, o grupo ‘Mulher por Mulher’ tem mais de 80 moradoras do subúrbio que atuam como uma comunidade, sendo agentes de transformação.
O trabalho de formiguinha de Marizete começou há cerca de 8 anos, quando ela entrou no serviço público. Por ser agente de saúde, ela precisava visitar casas e muitas vezes presenciava situações de violência doméstica.
“Dentro das casas a gente consegue observar as coisas. A gente vê uma situação de violência, vê uma mulher machucada, aí chamamos e vamos conversando com essa mulher. A gente já conseguiu levar várias mulheres para a delegacia, para registrar queixa. Já levamos mulheres que tinham acabado de ser agredidas, ensanguentadas e em várias outras situações”, conta ela.
“O grupo é exatamente para nos unirmos. Porque, na hora do sufoco, a gente precisa ter o apoio e o encorajamento de outras mulheres”
Para dar o tratamento adequado às mulheres, ela buscou apoio de outras agentes de saúde, de assistentes sociais, psicólogas e da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Periperi – única especializada do subúrbio de Salvador, um complexo de 22 bairros.
É no ‘Mulher por Mulher’ que Marizete constrói debates sobre machismo estrutural, o ciclo da violência doméstica, além de alertar às mulheres que são mães sobre os perigos que estão dentro de casa, já que muitos casos de estupro acontecem dentro do ambiente familiar.
“Temos o projeto ‘Maria no Bairro’, em que a gente reúne mulheres que são assistidas por nós. Levamos elas nas rodas de conversa, para que elas troquem experiências e participem dos debates. Nos juntamos com outras agentes [de saúde], e a cada casa que entramos para fazer nosso trabalho, conseguimos falar com essas mulheres. Nós nos familiarizamos. Tomamos muito cuidado por conta do risco e aí a gente faz a rede de mulheres crescer”, explica.
Marizete sabe que o principal fator que mantém mulheres que já foram vítimas de violência doméstica dentro das casas dos agressores é a dependência financeira. Com isso, ela também ajuda a promover cursos de empreendedorismo, para que as vítimas possam quebrar o ciclo de submissão.
“Fazemos cursos de empreendedorismo com elas, que é para que essas mulheres saiam da dependência [financeira] do agressor. Cursos de maquiagem, para melhorar a autoestima delas. Se tem um curso que pode ajudar de alguma forma, a gente bota no grupo e chama essas mulheres. Se tem uma roda de conversa sobre empreendimentos, a gente chama essas mulheres”, conta.
“Uma vai puxando a outra pra gente criar um grupo de empoderamento e encorajamento”
Como as participantes do grupo estão distribuídas em vários bairros do subúrbio, entre eles Paripe, Coutos e Lobato, os encontros mudam sempre de local para que todas possam ir.
“A gente faz reuniões no Parque São Bartolomeu, no Lobato, e em Periperi. Temos também outra sede de encontros que é em Coutos. Em cada bairro a gente procura um lugar para chamar as mulheres daquele local. Aí a gente vai se fortalecendo”, pontuou.
“Se uma está sofrendo, a gente procura fazer uma reunião para acolher e fortalecer ela”
‘Perigo mora em casa’
“A maioria dos estupros acontece no ambiente familiar, não é?”. A constatação, em forma de pergunta, feita por Marizete reflete as notícias diárias sobre crianças e adolescentes abusadas por pais, tios, avôs, padrastos e irmãos.
O G1 pediu, no começo de maio, dados à Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), sobre a quantidade de casos em que há relação de parentesco entre as vítimas e os estupradores e suspeitos de abuso, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Marizete se tornou parte das estatísticas quando fez 13 anos, idade em que foi abusada pelo irmão mais velho, de 20. Além dos estupros que sofreu, ela também enfrentou a descrença da família, que tratava ela como a algoz da situação.
“Eu passei a sofrer mais depois que denunciei publicamente, porque a família não aceitava e não aceita. Além dos estupros eu sofri com as violências físicas. Elee [irmão] se achava meu dono, se achava no direito de me agredir. Eu tive a cabeça quebrada com garrafada, a perna quebrada. Eu tomava murro em vários lugares”, lembra ela emocionada.
Quando os estupros aconteceram, Marizete morava junto com os pais e os 10 irmãos. Segundo ela, na casa da família só tinham dois quartos: um dos pais e um que era dividido entre os irmãos.
“Lá em casa eram dois vãos: um de meu pai e minha mãe e o outro dos filhos, que dormiam todos juntos, homem e mulher. Antes dos estupros, ele [irmão] começou com a agressão física, inclusive com meu pai vivo. Meu pai não gostava que batessem na gente, porque éramos mulheres. Mas, uma hora ou outra tinha um murro, tinha uma porrada. Meu pai sempre intervia, mas as agressões físicas pioraram depois que meu pai morreu. E aí vieram os estupros também”, conta.
Na época em que os crimes aconteceram – entre os anos de 1978 e 1979 –, ela chegou a ir na delegacia registrar boletim de ocorrência contra o irmão.
“[Denunciei] depois que eu sofri a violência sexual e ele [irmão] me agrediu com uma garrafada. Quando aconteceu, eu fugi pra casa de um vizinho e foi esse vizinho que me incentivou a ir na delegacia. Depois eu voltei com o documento para minha mãe assinar. Naquele tempo não tinha o ECA [o Estatuto da Criança e do Adolescente só foi criado em 1990]. Minha irmã chegou a chorar para eu não dar a queixa. Minha mãe dizia que ele era meu irmão e que eu não podia denunciar”.
Além dos abusos que sofria, Marizete também era ameaçada pelo irmão para que não contasse sobre os estupros.
“Ele me ameaçava. Dizia que ia me bater, que ia quebrar minha cara, que ia me matar. Esse tipo de situação que nos leva a ficar com medo, porque na época que começou a violência física, existia a violência física no geral, dos irmãos”.
Com a mãe trabalhando fora para sustentar a casa, Marizete ficava boa parte do tempo na presença do irmão.
“Minha mãe dizia que ele [irmão] tinha que cuidar da gente, e o cuidar era bater, espancar. Eu preferi sair de casa. Saí de casa com 16 anos e comecei a arranjar emprego. Fui morar em casa de família, porque na época algumas pessoas vizinhas tinham parentes que moravam no Centro. Eu trabalhei em Água de Meninos, trabalhei na Barra, e aí pulei de casa em casa. Sabe aquela música ‘já morei em tantas casas que nem me lembro mais’?, foi isso.
Marizete lembra ainda que passou muito tempo culpando a mãe pelo que a acontecia com ela. Depois de adulta, quando começou a participar de rodas de diálogo e a entender os processos de violência que passou, ela diz que a mãe também foi vítima do mesmo sistema de machismo que ela.
“Eu culpei muito minha mãe, e ela também foi uma vítima. Ela é analfabeta, com 10 filhos, esperando que o mais velho ajudasse ela. Ela nunca foi carinhosa, mas ela acolhia a gente. Era aquela mulher que tinha dificuldade de demonstrar, de beijar e de abraçar. Para mim, ela também já vinha sofrendo de alguma coisa lá atrás, que ninguém sabe o que”, comenta.
“Eu a perdoei, quando adquiri conhecimento do que aconteceu, para entender que ela também era uma vítima”
Hoje, Marizete é mãe e avó. Depois de tudo o que passou, ela faz questão de aconselhar e ajudar outras mães, para que observem o que as crianças vivenciam em casa.
“No meu tempo, minha mãe não tinha a instrução que a gente tem hoje. A gente não tinha como pedir ajuda. É muito complicado porque a gente precisa trabalhar, a gente precisa correr atrás, e com isso a gente acaba deixando nossos filhos para que outras pessoas tomem conta”.
“Nas rodas de conversa eu sempre faço questão de pedir às mães para que observem suas filhas. Para que tomem cuidados com elas, porque o perigo mora dentro de casa”
Célia Maria Alves de Souza
Boa noite, me chamo Célia Alves sou assistente social gostaria de ser voluntária nesse projeto lindo que Marizete criou,parabéns por sua coragem e por favor entre em contato comigo gostaria de participar de uma dessas reuniões.
Email : celsocial2015@hotmail.com
Marizete Pires
Boa tarde Célia.
Nosso agenda está marcada uma manifestação pacífica encerrando os mês das mães e noiva contra o feminicidio e toda violência contra mulher no dia 31/05 em frente a secretaria de segurança pública na Piedade a partir da 14:00 E estamos organizando algumas rodas de conversas em alguns bairros do SUBÚRBIO mando agenda para seu email.
Marizete Pires
Boa tarde Célia.
Nosso agenda está marcada uma manifestação pacífica encerrando os mês das mães e noiva contra o feminicidio e toda violência contra mulher no dia 31/05 em frente a secretaria de segurança pública na Piedade a partir da 14:00 E estamos organizando algumas rodas de conversas em alguns bairros do SUBÚRBIO mando agenda para seu email.
Rebeca Lobão
Boa tarde marizete, parabéns pela coragem. Sabemos q em breve estaremos livre de todo esses sofrimento, vamos viver em paz E felicidade aqui na terra.( sal 37: 9,10.
Sem violência, cheios de amor e carinho.
Um abraço amiga.bjsss