A estudante baiana Rogilene Bispo, 28 anos, que fez uma campanha na internet para arrecadar fundos para viajar para estudar na Universidade de Coimbra, em Portugal, viajou na última quinta-feira (7) para realizar o sonho.
Moradaora do subúrbio de Salvador, Rogilene está no 7º semestre do curso de direito Universidade Federal da Bahia (Ufba) e foi aprovada em uma seleção para mobilidade acadêmica, para conseguir dupla titulação, que possibilitará exercer a profissão também na Europa.
Ela agradece a todos que contribuíram para que ela pudesse arcar com os custos das taxas da universidade, além da viagem, visto e documentos. “Eu queria agradecer a todos. Estou muito ansiosa”, disse ao G1, na noite de quarta-feira (6), antes de embarcar. As aulas em Coimbra começam no dia 11 de setembro.
Nascida no bairro do Lobato, filha de mãe trabalhadora doméstica e pai feirante, Rogilene superou as dificuldades da origem humilde, ao ingressar no ensino superior, depois de muito esforço.
Ela abriu duas “vaquinhas” na internet para arrecadar cerca de R$ 30 mil. O que mais pesou foi a taxa de em torno de 7 mil euros cobrada pela universidade portuguesa. Ela ainda tem que pagar uma taxa de 7% que é cobrada pelo site de arrecadação.
Trajetória
Apesar da trajetória de vida permeada por dificuldades, Rogilene disse que não costumava expor isso no ambiente acadêmico, mas acredita que sua história pode inspirar outras pessoas que também passam por problemas semelhantes.
“Eu sempre procurei na faculdade não expor muito isso, por receio, por dizerem que estou me vitimizando. Eu sei da minha trajetória porque não é fácil. Sou mulher e negra. Sinto muito preconceito aqui em Salvador, onde a maioria da população é negra. Isso vai alcançar outras vidas, de pessoas que estão passando por isso. Não existe sorte, é muito esforço”, relatou.
Ela disse que, depois de completar a graduação em Coimbra – que dura dois anos -, prentende fazer mestrado e se tornar defensora pública. “Quero ajudar as pessoas. Sempre me identifiquei com isso”, afirmou.
“Eu não quero ser mais uma advogada. Não é fácil se inserir no direito, num local que é elitizado. Cheguei em uma entrevista de estágio e me disseram: ‘Estude para não ser um motoboy de luxo'”, contou.
Desde o Ensino Fundamental e Ensino Médio, ela contou que já se incomodava com as circunstâncias sociais do meio em que morava, e que via a mãe como uma inspiração para seguir em frente. A mãe de Rogilene costumava apanhar do marido, pai da estudante – dependente químico desde o 14 anos -, e ela cresceu com a rotina de violência dentro de casa.
“Nasci num lar com muita violência, e minha mãe sempre apanhou do meu pai. Eu não sabia o que era direito e constituição. Em um episódio, minha mãe deu queixa na delegacia e perguntaram se ela tinha filho com esse homem (meu pai). ‘Então levante e vá para casa, porque esse homem é bom’. O Estado fez isso com minha mãe. Em 2013, ele tentou matá-la com água quente e a gente teve que fugir”, contou Rogilene.
Ela disse que tem outras duas irmãs e agradece o apoio da mãe, que sempre buscou conscientizar as filhas de que o estudo era o caminho para sair da situação de pobreza. Rogilene fala que teve que trabalhar desde muito cedo, aos sete anos, junto com as duas irmãs, aos domingos, na Feira do Rolo, mais conhecida como “Feira do Pau”, localizada na Baixa do Fiscal.
No 3º ano do Ensino Médio, ela descobriu um cursinho pré-vestibular comunitário, em um bairro vizinho de onde mora e, incentivada pela irmã mais velha, juntou as economias para conseguir frequentar o cursinho.
Foram três anos de tentativas frustadas para tentar entrar por meio do vestibular da universidade. Depois que a seleção passou a ser feita por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), acabou entrando na Ufba por meio do Bacharelado Interdisciplinar (BI) em Artes e cursou cinco semestres, mas não se sentia satisfeita e acabou migrando para o BI em Humanidades. Foi lá que acabou fazendo seleção e ingressou no curso de Direito.
Fonte: G1-Bahia