O presidente Michel Temer teria recebido R$ 15 milhões do Partido dos Trabalhadores para financiar sua campanha à Vice-Presidência, em 2014, mas decidiu “guardar” R$ 1 milhão, segundo afirmou Roberto Saud, diretor da JBS, em depoimento ao Ministério Público Federal.
O G1 questionou Temer sobre a afirmação do delator, via assessoria do Palácio do Planalto, mas, até a última atualização desta reportagem, ainda não havia recebido resposta.
Os detalhes estão em um vídeo de 23 minutos, que faz parte do material divulgado à imprensa nesta sexta-feira (19) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e baseia um dos inquéritos que apuram atos ilícitos de políticos.
Assista ao vídeo na íntegra acima, e veja abaixo os principais pontos do depoimento.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin determinou a abertura de inquérito para investigar Temer, o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) por corrupção passiva, obstrução à Justiça e organização criminosa.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Temer e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) agiram “em articulação” para impedir o avanço da Lava Jato.
‘Só o Temer e o Kassab’
De acordo com Saud, além de Temer, Gilberto Kassab, que deixou o governo Dilma em abril de 2016 e passou a apoiar o impeachment da petista, e hoje é ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, também usou dinheiro de caixa 2 de campanha em proveito próprio.
“Eu já vi o cara pegar o dinheiro da campanha e gastar na campanha. Agora, ganhar um dinheiro do PT e guardar pra ele no bolso dele, eu acho muito difícil. Aí, ele e o Kassab fizeram isso. Só o Temer e o Kassab guardaram o dinheiro pra eles usarem de outra forma”, afirmou ele. (assista no minuto 15’30”)
O G1 procurou a assessoria do ministro Kassab mas, até a última atualização desta reportagem, ainda não havia recebido respostas
No depoimento, o delator diz que Temer negociou o valor junto ao PT e que os R$ 15 milhões foram repartidos em diversas frentes: R$ 9 milhões teriam sido pagos em cinco parcelas ao PMDB nacional, como “propina dissimulada em forma de doação oficial”; R$ 3 milhões teriam sido entregues a um intermediário do ex-deputado Eduardo Cunha em um posto de gasolina no Rio de Janeiro; e R$ 2 milhões teriam sido repassados a Duda Mendonça como parte do pagamento pela campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo.
De acordo com Saud, o pagamento a Duda Mendonças foi “simulado como se ele tivesse prestado um serviço” para uma das empresas do Grupo JBS.
Argeplan
O R$ 1 milhão restante, que Saud afirma ter ficado com Temer, foi, segundo ele, entregue na sede da Argeplan Arquitetura e Engenharia, na Vila Madalena, em São Paulo. A empresa pertence a João Baptista Lima Filho, amigo de Temer, e já foi alvo de investigações da Operação Lava Jato.
Segundo Saud, “o Michel Temer fez uma coisa até deselegante. Porque nessa eleição só vi dois caras roubar deles mesmos. Um foi o Kassab, o outro o Temer. O Temer me deu um papelzinho, e falou: ‘Ó, Ricardo, tem um milhão, que quero que você entregue em dinheiro nesse endereço aqui’. O Temer falou isso. Na porta do escritório dele, na calçada. Só eu e ele na rua. Na Praça Panamericana.” (assista a partir do minuto 12’28”)
O diretor da JBS disse que enviou Florisvaldo Caetano de Oliveira, seu funcionário que realizava as entregas de dinheiro a político, até o local, para saber do que se tratava, e descobriu que era a sede da Argeplan.
“Até então, eu achava que esse dinheiro seria para o [José] Yunes [advogado e amigo de Michel Temer].” Saud disse ainda que Florisvaldo teria sido recebido pelo próprio Lima Filho, que teria pedido que ele retornasse dias depois e dito que só ele colocaria a “mão nesse dinheiro”.
A partir do minuto 15′, Saud descreve como Florisvaldo estacionou de ré na calçada para entregar o dinheiro, e mostrou fotos da fachada do imóvel, afirmando quem uma câmara de vigilância teria filmado o encontro.
Origem do dinheiro
O dinheiro teria saído de uma conta que a JBS disse manter com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a campanha do Partido dos Trabalhadores em 2014.
Segundo Saud, a “conta da propina” tinha R$ 300 milhões. No início do vídeo, ele explica que, em meados daquele ano, Guido Mantega teria solicitado a Joesley Batista, dono da JBS, que sacasse R$ 35 milhões para entregar a senadores do PMDB para garantir o apoio de todo o partido à reeleição de Dilma.
Perguntado por um procurador para nomear os senadores, o delator respondeu: “Eduardo Braga, Vital do Rêgo, Jader Barbalho, Eunicio Oliveira, Renan Calheiros, e tinha um milhão pra Kátia Abreu, mas esse um milhão a Kátia nunca recebeu, ficou pra eles lá.” (assista no minuto 3’11”)
Saud diz que esse grupo “estava jogando para fazer o Jucá presidente do PMDB nacional, Eunício presidente do Senado, Vital do Rêgo no TCU, Renan líder da bancada.”
Reação de Temer
Saud afirmou que “o PT agiu rápido” para impedir a debandada de senadores peemedebistas para a campanha do rival rival Aécio Neves, candidato do PSDB nas eleições de 2014. No dia 3 de julho de 2014, disse ele, Mantega fez uma solicitação a Joesley para que a JBS distribuísse o dinheiro entre o grupo.
O dono da JBS, então, decidiu relatar a história a Michel Temer. De acordo com o delator, Joesley teria dito: “Vamos fazer o seguinte? Isso aqui não tá passando por ninguém, pega esse bilhete e vai lá e conversa com o Temer.” (assista a partir do minuto 5’40”)
A pedido de Joesley, Saud então esteve com Michel Temer em sua residência em São Paulo para assistir ao jogo entre Holanda e Costa Rica pelas quartas-de-final da Copa do Mundo de 2014. O jogo aconteceu no domingo seguinte, dia 5 de julho. De acordo com ele, Temer teria ficado “muito indignado” ao descobrir do esquema dos senadores do PMDB.
Ainda segundo o delator, o então vice-presidente teria pedido para que a JBS aguardasse “uma semana” para que ele reassumisse a presidência nacional do partido.
Isso aconteceu em 16 de julho de 2014, 11 dias após a suposta conversa. “Poderei ter protagonismo maior de natureza exclusivamente politica e não somente administrativa. Vamos percorrer o país para tentar fazer prevalecer o nosso PMDB”, disse Temer na época.
Pedido de financiamento
Em agosto, Saud afirmou que teria tido novo encontro com o então vice-presidente, e que ele perguntou sobre o financiamento de sua própria campanha com dinheiro da “conta de propina” do PT.
“Aí ele [Temer] me perguntou: ‘tá, e pra mim o que o PT mandou?’ Eu falei ‘ó, Temer, por enquanto não mandaram nada. O senhor vai lá conversar porque não tem nada aqui… Por enquanto não tem nada pro senhor. Acho que o PT tá entendendo que o senhor é vice, o senhor vai arrumar o dinheiro do senhor.’ Ele falou: ‘Não, uai. Eu entrei nisso aqui, já trouxe o PMDB inteiro, eles vão ter que me dar o dinheiro pra minha campanha.'”, relatou Saud. (assista no minuto 6’50”)
No encontro seguinte, o delator afirma que Temer teria dito que combinou um valor com o PT.
“Nós estávamos ali no escritório político dele na Praça Panamericana. Ele me chamou e disse: ‘Olha, Ricardo, o pessoal do PT vai mandar 15 milhões pra mim. Pra minha campanha. Tá tudo certo?’ Eu falei: ‘Nada, tudo errado. Eles não mandaram nada pro senhor até agora.’ ‘Mas não pode, eu tô lá esperando esse dinheiro, não sei o quê, como é que vou fazer com isso?’ Eu falei: ‘Não sei, eu vou conversar com o Joesley, vou pedir ao Joesley pra ver se está sabendo de alguma coisa pro senhor, porque não chegou nada.'” (veja a partir do minuto 7’50”)
Em seguida, Saud diz que, em um encontro com Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP) pelo PT, ele descobriu que o valor que o partido queria destinar à campanha de Temer era de R$ 5 milhões, e disse que o vice-presidente teria definido que a quantia fosse três vezes maior. Edinho, então, prometeu analisar os valores. “Aí veio a ordem para dar os R$ 15 milhões pro Temer. Do PT para o PMDB, para a campanha do Temer”, disse Saud. (assista no minuto 9′)
Depois disso, Saud disse que teve mais um encontro com Temer, dessa vez no escritório da Vice-Presidência em Brasília, onde o atual presidente teria definido como gastaria os R$ 15 milhões.